Espaço Gourmet

Isso é que é sustância! Mocotó com mandioquinha

Pata do boi: nutritivo e de baixo custo, prato é uma pedida e tanto para espantar o frio, curar aquela ressaca brava ou dar um pouco de energia a quem anda meio desanimado da vida

Chef Lauro Lucchesi
19/07/2015 às 08:00.
Atualizado em 28/04/2022 às 16:57
mocotó com mandioquinha (Ciéte Silvério/ Especial para Metrópole)

mocotó com mandioquinha (Ciéte Silvério/ Especial para Metrópole)

Mão de vaca é uma expressão popular. Refere-se a uma pessoa avarenta, sovina, pão-duro, unha de fome, muquirana. Sei lá porque, mas é assim. No Ceará, porém, mão de vaca é outra coisa. É uma receita boa pra dedéu, um prato forte que leva patas de boi e fica melhor ainda se forem usadas as traseiras, mais macias. Leva também alho, cebola, pimenta e legumes. E é aconselhável para curar aquela ressaca brava ou para os que precisam de um pouco de energia. Pelas bandas do Nordeste, dizem ainda que, para curar impotência sexual, ou se bebe catuaba, ou se come testículos de boi assados ou se toma caldo de mocotó. Segundo a crença popular, mocotó também é bom pra moléstia nenhuma chegar perto, pra não mochar nem criar chifres. Mocotó nada mais é do que a pata de bovinos sem cascos, descascada, pelada, que se usa para alimentar peões e um monte de gente que está na avareza ou com dinheiro curto pra comer. Bem feitinho, com coentro, salsinha, tomate e pimentão, meus Deus... Para 11 é ótimo, três gostam e um descarta. No Nordeste, a soma dá dez de tão bom que é. Segundo o dicionário Houaiss, a palavra mocotó é originária de quimbundo mukoto, que significa pata de animal. Contam também que mo-coto vem do tupi-guarani e que o prato teria sido criado por escravos com as partes desprezadas pelos patrões de bota, cinto, chapéu e garrucha. As patas bovinas (e, em algumas localidades, também as suínas) são utilizadas como alimento há muito tempo. Em Portugal, por exemplo, eram incorporadas já nas dietas antigas dos camponeses – combinadas a verduras e legumes, viravam um sopão bem nutritivo. Saboreá-las é, ainda, uma tradição espanhola e de alguns povos africanos. Quando juntadas a buchada e alguns grãos, elas botavam banca nas mesas menos fartas. Por aqui, o hábito remonta ao século 18 ou 19, quando houve maior oferta de gado no Brasil colônia. Feito com ingredientes nutritivos e de baixo custo, o prato tornou-se uma resistência, uma necessidade. No século 19, virou costume comer caldo de mão de vaca na primeira refeição do dia, uma prática ainda hoje presente no Nordeste. No Rio de Janeiro, pequenos botecos oferecem o prato, cuja receita básica pode ser enriquecida com trocentas coisas, como feijão-branco, fava, grão-de-bico, batata, toucinho e o que mais vier. No Rio Grande do Sul, ninguém resiste em apreciá-lo quando chega o inverno – por lá, aliás, a receita costuma receber o reforço de dobradinha, tripas e coalheira. E mais: em Florianópolis, o Morro do Governador tornou-se Morro do Mocotó por ter ficado conhecido no século 19 pelos pratos feitos a partir do pé de boi para alimentar os operários que trabalhavam na Ponte Hercílio Luz. Bem, esta não é uma receita para auxiliar sua dieta, porque tem muita caloria. Se bem que também não comporta tanta gordura assim; é mais cartilagem, aquela coisa que faz você grudar os beiços quando come uma boa feijoada. Há quem garanta que não come mocotó depois que ele é preparado. Então, vá mascar chicletes que, além da perna do boi, levam chifres e couro na preparação. Tá falado. Vamos cozinhar! MOCOTÓ COM MANDIOQUINHA (para 10 ou mais pessoas)INGREDIENTES_1 perna de boi, de mais ou menos 3kg, picada em pedaços_800g de mandioquinha (batata-baroa)_1 cebola grande picada_5 dentes de alho picados_1 pimentão grande em rodelas_4 colheres (sopa) de azeite ou óleo vegetal_1 colher (sopa) de colorífico_1 colher (sobremesa) de pimenta-do-reino_2 colheres (sopa) de sal_4 folhas de louro_1 maço de coentro_½ maço de cebolinha picada_1 tomate picado e sem sementes_Suco de 2 limõesE VAMOS QUE VAMOS Primeiro, lavo bem o mocotó e esfrego nele o suco de limão. Deixo repousar um tico, não mais do que 15 minutos, e lavo bem. Em uma panela de pressão, esquento o azeite (ou óleo), coloco a cebola e o alho e mexo rapidamente. Logo depois, junto o mocotó, o pimentão, o tomate, o colorífico, a pimenta-do-reino (em grãos, amassadinha no pilão) e o sal. Cubro com água, mais ou menos quatro litros, fecho a panela e levo ao fogo. Cozinho por cerca de uma hora e meia ou duas horas em fogo forte. Nesse intervalo, lavo a mandioquinha, descasco e levo para cozinhar. Espero amolecer, desligo e reservo. Fico de olho na panela do mocotó e, caso seque muito, agrego mais água quente. Quando ele estiver cozido, elimino os ossos e deixo só o caldo. Bato metade do caldo no liquidificador e depois coloco a batata-baroa cozida. Junto com a outra metade do caldo e levo para ferver por dez minutos. Confiro o sal, coloco a cebolinha e o coentro e desligo. Com o caldo do mocotó é bom fazer um pirão no prato com farinha de mandioca. E não esquecer da pimenta-malagueta, muito importante.Veja só: a batata-baroa vai deixar o caldo mais suave, uma ótima pedida para aqueles que não ainda provaram. O prato aceita ainda feijão-branco (nunca ponha o feijão na panela de pressão; cozinhe ao lado, devagarzinho), favas brancas ou rajadas, grão-de-bico, linguiça defumada, chuchu, abóbora, batata, carnes como paleta, peito, músculo e acém, bacon e dobradinha. Dá pra fazer uma farra com ele, enriquecê-lo ao máximo, mas aí nosso prato vira um cozido. Caldinho de mocotó é bom mesmo com mocotó, batido, suave. Nada melhor para aquecer no inverno. Tem mais: como tem gente que se arrepia só de ouvir falar em coentro, sugiro picar e servir em uma travessinha ao lado. Quem gosta usa; quem não gosta, não usa. E assim ficamos tudo nos conformes.

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