O mês de junho sempre me trouxe atrapalhações na vida. Não me lembro de tristezas, mas mesmo as alegrias foram e são, ainda, confusas e complicadas. E isso acontece desde meu primeiro dia de vida. Minha mãe sempre me disse ter sido às 10h da manhã, pois os sinos da igreja matriz — quase ao lado de casa — estavam badalando. Foi num domingo, 24 de junho, dia de São João. E, segundo minha cozinheira, também de Xangô.A complicação estava posta. Pois descobri chamar-me Cecílio apenas aos 10 anos de idade, ao ingressar no antigo curso ginasial. Até então, eu tinha certeza de meu nome ser Antônio. E as pessoas todas me chamavam de Tone, Toninho. Ainda hoje, poucos familiares e velhos amigos mal sabem que ao me chamarem pelo apelido de infância — “Oi, Tone” — como que me fazem recuperar minha verdadeira história. Sei lá.Por causa do dia de meu nascimento e de meu nome comecei, muito cedo, a ter dúvidas e angústias existenciais, algo que não deveria jamais ocorrer a uma criança. Acontecera que, antes de mim, meus pais tiveram quatro meninas e a chegada de um menino era como a vinda do Messias, desejo dourado de famílias árabes. À espera do Prometido, meu pai e amigos atravessaram a madrugada bebendo, fumando, jogando cartas, enquanto minha mãe sofria as dores do parto. E embriagaram-se ainda mais diante do anúncio: “É menino, um machinho.”Tento imaginar o que foi, para eles, nascer-lhes um menino justamente num domingo, dia de São João, horário de missa. Devem ter-se deslumbrado como que diante de um milagre. Sei que, rapidamente, banharam-me, vestiram-me e atravessaram a rua para me batizar, o medo de o machinho morrer pagão. Pois criancinha — que morria sem ser batizada — ia para o Limbo. E ninguém sabia o que ou onde era isso. E a minha encrenca começou quando o padre perguntou qual o nome do machinho da família. Meu padrinho — um árabe, mascate, rico e com nome de Manoel, é possível? — não hesitou: “O nome do menino é Antônio João Pedro, em homenagem aos santos do mês de junho, Santo Antônio, São João e São Pedro.” E aí teve início a saga.Acho que, por causa de nome, comecei a questionar o mundo. Se foi um bem ou um mal, isso, agora, não importa. Mas eu pensava: “Por que me chamam de Antônio se eu nasci no dia de São João?” E o que eu tinha a ver com tantos santos? Por que não João Antônio Pedro ou Pedro Antônio João? Mas ficou Tone, Toninho e tive de conviver toda a infância com aquele nome que me parecia idiota: Antônio João Pedro.Foi, então, que, ao ingressar no curso ginasial, meu pai me chamou para uma conversa. E contou: “Filho, estamos com um probleminha. Não pude fazer a matrícula porque não aceitaram o seu nome de batismo. Na verdade, você é Antônio João Pedro na Igreja, mas é Cecílio, no registro civil. Com Elias e Netto.” Ora, pode haver crueldade maior para com uma criança? Primeiro, descobrir não ser Tone de verdade. E, depois — ainda mais crucial — ter que escolher entre dois nomes absolutamente estúpidos: Antônio João Pedro ou Cecílio. Por isso, quando me dizem que sou, ainda, um indignado, pergunto-me: como poderia ser diferente?Enfim, Tone se tornou Cecílio. E eu fiquei dividido. A amargura diminuiu quando a mãe de meus filhos passou a chamar-me carinhosamente de “Ci”. Até hoje, soa-me como melodia a lembrança de suas atenções: “Ci, querido, vamos almoçar? Ci, meu amor, você não vai dormir? Ci, meu bem, essa camisa não está combinando com a calça.” Ter sido “Ci” para ela, amenizou, em mim, a perplexidade de eu ser Antônio João Pedro para a Igreja e um Cecílio para o mundo. Por que não me deixaram ser apenas Tone ou apenas Ci?Os meus aniversários foram, sempre, festivos. Mais por causa de São João — ou de Xangô — do que por mim, acho. Festar a data tornou-se tradição familiar. Então, certa manhã, despertei e me animei: “Oba, hoje é dia de meu aniversário.” Meus filhos e a mãe deles estavam à mesa do café, esperando-me. Sorriram-me, deram-me beijinhos, desejaram bom dia. Mas ninguém me cumprimentou. Estranhei. Fui trabalhar e, pretensioso, imaginei estivessem preparando-me surpresa. À hora do almoço, nada de parabéns. Ao jantar, tudo igual ao cotidiano, muita conversa, risadas. Mas e os parabéns?À hora de dormir, infeliz e triste, me queixei à mulher amada: “Puxa, Mariana. Ninguém se lembrou de meu aniversário.” Ela me olhou espantada, quase incrédula. E respondeu: “Ci, meu amor, você enlouqueceu. Hoje, é dia de Santo Antônio e o seu aniversário é no dia de São João.”Assim foi, assim tem sido. Hoje, minha perturbação é outra: por que nunca ninguém me chamou de Pedro, Pedrinho, Pedroca? Nem de Joãozinho? Viver é complicado.