CECÍLIO

Inúteis sugestões de um velho escriba

Cecílio Elias Netto
igpaulista@rac.com.br
05/06/2015 às 05:00.
Atualizado em 23/04/2022 às 11:32

Cecílio Elias Netto ( Cedoc/RAC)

Tenho visto, aqui e acolá, certa definição de notícia que me aborrece: “Notícia é tudo aquilo que não se conhece.” Sinto-me, então, o mais desinformado homem do mundo. Pois não conheço quase nada, nada de nada e, também, nada de mim mesmo. Se, de um lado, isso é triste, é, por outro, alentador: tenho quase absolutamente tudo a aprender. E, pelo que parece, parte da grande imprensa se dá essa monumental missão: mostrar o que não se conhece. E, então, fico à espera de que me ensine a grande lição: como fazer para mudar o ser humano?No meu juvenil início de jornalismo, aprendia-se na redação. Os mestres estavam na mesma sala que os aprendizes, escrevendo e ensinando a escrever. Lembro-me de minha primeira e humilhante lição. Mas fundamental. O redator chefe levou-me a uma saleta onde havia diversos jornais, mesa e cadeira. Deu-me uma tesoura, mandou-me ler todos os jornais e ir recortando a notícia que eu achasse interessante. “Se você entender o que é importante, escreverá o que importa.” — foi a primeira lição.A outra era a então clássica explicação da notícia: “Se o cachorro morde um homem, isso não é notícia. Mas se o homem morder o cachorro, isso é notícia.” Simples assim. Notícia era o inusual, o diferente no cotidiano das pessoas. Roubar, por exemplo, era notícia, pois havia poucos ladrões, tão poucos que um deles se tornou famoso quanto uma estrela de Hollywood: Meneghetti. Atualmente, o que meios de comunicação informam — com persistência e ênfase cada vez maior — não é, em meu entender, notícia. É como se, de véspera, se soubesse o que os jornalões irão noticiar. E, também, antes de ligar o televisor, já se pode prever o que, ao vivo e em cores, nos será informado. É um desfile interminável de banalidades, de repetições, de fatos e acontecimentos que se tornaram habituais. Ora, o banal e o habitual não são notícia. Assim, guerras, assassinatos, corrupção, violência, mortes em massa, violência sem fim, o descalabro da classe política, o quase eterno envolvimento de empreiteiras com propinas, a incivilidade, a nudez, a pornografia — nada mais disso é notícia. Pois tornou-se parte do cotidiano das pessoas, em todos os quadrantes do mundo. Estou em vésperas de completar 60 anos de jornalismo. Sim, 60 anos! Muitos me sugerem ter-me chegado a hora de parar. Mas não sei fazê-lo, pois o cérebro ainda me ajuda e o coração continua fogoso. Nem penso no que já vi e ouvi, naquilo de que participei, das mudanças e transformações que aconteceram, de 60 anos em que — no palco da vida — fui, ao mesmo tempo, ator e autor, diretor e espectador. Fui palhaço e domador de leões, equilibrista e mágico, inocente e culpado. Ano a ano, década a década, vivi a esperança de que tudo haveria de melhorar. Piorou. Mas entendo, agora, que não fora a esperança que me movia, mas a teimosia. Teimei em acreditar. E, pior de tudo, ainda teimo. Quando se chega ao fundo do poço, a alternativa é sair dele. O jornalismo, ao informar, está formando. Pelo menos, foi assim. Agora, estamos apresentando às populações o lixo da história contemporânea, o que temos de mais sórdido e condenável. Entre o povo, já cresce o sentimento ou a sensação de que tudo apodreceu, de não mais haver o belo, o bom, o generoso, o fraterno, o verdadeiro humano. E, no entanto, isso — nesse tempo de horrores — é, agora, a verdadeira notícia. A criança que nasce é mais notícia — e alvissareira — do que os que morrem. O casal de velhinhos que anda na calçada de mãos dadas, eles são notícia diante dos atos sexuais realizados em plena rua e de público. A moça virgem é notícia, diante das multidões de jovens já experientes. A vestimenta da freira é notícia, se comparada à nudez de mulheres que perderam até mesmo o senso de ridículo.Notícia não são mais drogas e drogados, malandros e vagabundos. Notícia é a juventude lutadora, sem vícios, que busca os seus caminhos. Notícia é o casal que fez bodas de prata, bodas de ouro — não as celebridades que trocam de leito a cada semana. Diante do horror habitual, notícia são o belo e o bom — que existem mas não são divulgados. E isso me lembra de dona Joana, leitora de Sumaré, de quem nunca mais tive informações. Ela acompanhava-me as croniquetas, opinando, sugerindo, criticando. Certa tarde, estava, eu, numa grave reunião com empresários, minha secretária me avisou que dona Joana, ao telefone, queria falar comigo. Pedi-lhe avisasse-a que eu telefonaria depois. Mas tanto dona Joana insistiu que a atendi. Ela tinha um recado importante para me dar. Falou: “Que pena você não poder ver: as pitangueiras estão em flor!” Que notícia, dona Joana me deu!

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