Interestelar (João Nunes)
Mesmo sendo mau-caráter, o personagem dr. Mann (Matt Damon) diz uma frase que serve como síntese de Interestelar (Interstellar, Estados Unidos, 2014), de Christopher Nolan. Desperto num planeta inóspito, onde hibernava solitário, ele chora nos braços de Cooper (Matthew McConaughey) e diz algo como: “não existe experiência melhor do que rever o rosto de um ser humano”.
A missão dele era encontrar um planeta habitável para onde levar a população da Terra, pois esta, em declínio, se encontra coberta de poeira. Na verdade, dr. Mann se considera o próprio futuro e pouco se importa com os que ficaram na Terra; por isto, surpreende que seja dele uma fala tão solidária.
A reação do personagem revela o motivo de lutarmos tanto pela sobrevivência a despeito dos nossos muitos equívocos como espécie. E o risco que corremos nessa busca (as perigosas viagens intergalácticas do filme) reafirma “quem nós somos como seres humanos”, para usar palavras do próprio diretor.
Nunca a expressão “salvar o planeta” foi tão bem aplicada a um filme como em Interestelar, pois não se trata de tirá-lo das mãos de um vilão caricato disposto a explodir tudo. Estamos em outro terreno e não há heróis com superpoderes para nos salvar; cabe a ciência tentar resolver enigmas. Tanto que o roteiro do diretor (com Jonathan Nolan) está baseado nos conceitos do físico americano Kip Thorne.
Há uma complexidade difícil de ser captada pelos leigos, pois os diálogos são repletos de princípios da física, porém, enunciá-los não nos impede de entender o básico. Cooper é convencido a viajar para tentar encontrar outros cientistas que se foram antes dele ou achar o tal planeta habitável.
Ele pensa na salvação dos filhos, em especial em Murph (Mackenzie Foy e Jessica Chastain), apegada a ele depois da morte da mãe. Contudo, fica claro que Cooper está diante de missão humanitária – a família dele é apenas mais uma, apesar de o núcleo central envolver diretamente Murph, pois, como física, terá papel essencial na história.
Nolan conduz essa jornada épica como ópera, seja pela dramaticidade, ou pelo tom grandiloquente. E nisto cabe o papel de protagonista à magnífica trilha sonora. A música de Hans Zimmer nos devolve o prazer entorpecido por trilhas anódinas. Ela empresta alento e grandiosidade devidos à obra e, além de respeitar os silêncios, soube encontrar o equilíbrio emocional solicitado pelo filme.
Há evidente preocupação do diretor em não se fiar nos efeitos – eles existem, mas não se sobressaem. Na espetacular sequência em que a nave adentra galáxia fora do sistema solar poderíamos assistir a um balé de efeitos especiais. Entretanto, a cena nos arrebata não pela profusão de tecnologia, mas porque o diretor soube criar uma atmosfera de rompimento de limites que nenhum efeito substitui e conferiu alma a Interestelar.
Interestelar tem alma, portanto. E por isto encanta, envolve, emociona. As mensagens dos filhos recebidas por Cooper têm o real poder de comover porque são sinceras; não se trata de embuste narrativo. Quando a parceira de Cooper, Brand (Anne Hathaway), fala sobre a importância do amor não soa como algo tirado de algum livro de auto-ajuda. São palavras profundas que nos convencem a respeito desse sentimento tão humano.
Filosoficamente, Interestelar trata do tempo – que se modifica dependendo de onde se está. Tal conceito tem tamanha complexidade que pode fugir à nossa compreensão. A assumida inspiração de 2001 – Uma Odisséia no Espaço (Stanley Kubrick, 1969), entre outros filmes do gênero, não parece acaso.
Em ambos, o tempo é um mistério, assim como o ser humano e o universo. Sim, a ciência tem formulações e teorias, porém, diante do mistério (que o leigo não entende e a ciência tenta explicar) prevalece o fascínio – a sensação que carregamos conosco ao final do filme.
* Publicado no Correio Popular em 8/11/2014