ENTREVISTA

Infância sob pressão

Risco silencioso: alimentação inadequada, obesidade, excesso de sal e sedentarismo, aliados à predisposição genética, têm feito crescer a ocorrência de hipertensão arterial nas crianças

Vilma Gasques
vilma@rac.com.br
12/05/2013 às 05:17.
Atualizado em 25/04/2022 às 17:06

Hábitos alimentares inadequados e ausência de atividades físicas preocupam cada vez mais a comunidade médica. Especialmente quando se trata de crianças. No Brasil, de 6% a 8% da população infantil já é hipertensa e muitos desses pequenos cidadãos nem sabem que têm a doença, uma vez que não há a cultura de auferir a pressão arterial nessa fase da vida. O sinal de alerta também acende quando o assunto é obesidade infantil. Pesquisa do Governo do Estado de São Paulo apontou que uma em cada quatro crianças está acima do peso. Com o ponteiro da balança nas alturas, aumentam as chances de hipertensão – segundo a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC), crianças obesas têm oito vezes mais probabilidade de desenvolver o problema do que aquelas com peso dentro do recomendado.

Daí a importância de iniciativas como a Campanha de Prevenção e Combate à Hipertensão Arterial, promovida pela SBC em todo o País e este ano dirigida aos jovens. A ação inclui atividades em várias cidades e distribuição de cartilha informativa – o material também está disponível no portal www.cardiol.br. De acordo com a entidade, a hipertensão arterial é uma doença crônica determinada por elevados níveis de pressão sanguínea nas artérias, levando o coração a exercer um esforço maior do que o normal para fazer circular o sangue pelos vasos. A pressão normal de uma pessoa em repouso situa-se entre 6 por 10 a 9 por 14; em crianças, o ideal é que fique na casa dos 9. Não há sintomas, mas tonturas, falta de ar, palpitações, enjoos e náuseas, dor de cabeça frequente, cansaço inexplicável e alterações de visão são sinais de que é preciso consultar um médico.

Sobre a doença na infância, o tratamento e a necessidade de acompanhamento constante, ainda que os valores da pressão tenham se normalizado, a Metrópole conversou com o médico pediatra da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas) José Espin Neto.

Metrópole – Por que a incidência de hipertensão arterial tem aumentado entre as crianças?

José Espin Neto – A doença é decorrente de fatores genéticos e ambientais. Contudo, nos últimos anos, o aspecto ambiental, aliado à predisposição genética, tem prevalecido com o aumento da obesidade infantil e o excesso de sal na dieta da criança brasileira. Somos uma das populações que mais utilizam sal na alimentação. Muitas vezes, os pais oferecem para os filhos biscoitos de polvilho e salgadinhos industrializados, mas esses itens não são recomendados. Considero o biscoito de polvilho o pior dos alimentos na infância por causa da quantidade de sal. Existem poucas estatísticas nacionais sobre esse aumento, pois, segundo artigo publicado na revista da Sociedade Brasileira de Pediatria, apenas nos últimos anos tem se despertado a atenção das autoridades médicas mundiais para essa ocorrência.

O senhor acredita que, em muitos casos, os pais não percebem a doença porque não há sintomas e, historicamente, o problema não era verificado em crianças e adolescentes?

Isso depende do acompanhamento médico das crianças. A Sociedade Brasileira de Pediatria recomenda que a pressão arterial seja medida a partir dos 3 anos de idade, para prevenção de problemas. Para cada fase existem equipamentos específicos para avaliar a pressão arterial, com tamanhos diferentes de manguitos, aquelas faixas que pressionam os braços. Também há uma tabela para cada idade, porque a pressão muda como as curvas de crescimento.

E existe algum sinal que sirva de alerta a quem tem filhos?

A hipertensão arterial é silenciosa, por isso temos sempre que lembrar os fatores de risco. Se os pais são hipertensos, por exemplo, a atenção deve ser redobrada. Além da genética, doenças dos rins e do coração, obesidade e excesso de sal na alimentação são pontos que precisam de investigação e podem levar o indivíduo a desenvolver a hipertensão. Os adolescentes que abusam de medicações e drogas que aumentam a pressão também estão no grupo de risco.

A SBC estima que o número de crianças hipertensas situa-se entre 6% e 8%, mas avalia que esse índice pode aumentar substancialmente por causa da crescente obesidade infantil...

O aumento da obesidade entre as crianças é, sim, uma das causas. No entanto, a hipertensão arterial também é desencadeada por fatores ambientais, como sedentarismo e consumo excessivo de alimentos calóricos. Além disso, fatores genéticos também levam à obesidade. A investigação deve partir de uma série de indicativos.

Mas, qual é a relação entre excesso de peso e pressão alta?

O estudo do paciente analisa exatamente isso, mas é uma relação multifatorial e envolve avaliações dos sistemas cardíaco, renal e endócrino. Isso pode ser verificado tanto na infância como na fase adulta.

O senhor acredita que manter o peso ideal reduz as chances de uma criança se tornar hipertensa?

A hipertensão arterial pode ser evitada com a redução do peso, porque tudo fica melhor no organismo quando se está dentro do considerado normal para cada faixa etária. Além da hipertensão, uma criança com peso ideal tem chances menores de desenvolver diabetes, problemas na coluna, nas articulações e cardíacos.

Como deve ser tratado o excesso de peso na infância?

É um desafio para todos, não só para pais e médicos. Esse trabalho exige uma equipe multidisciplinar, formada por pediatras, nutricionistas, fisioterapeutas, educadores físicos e psicólogos, entre outros profissionais. Sem falar na conscientização dos pais, o que, para mim, é o mais importante, porque a obesidade quando instalada é muito difícil de ser revertida. O caminho é a prevenção, com bons hábitos alimentares e uma agenda regular de exercícios físicos.

Além desses que já falamos, a hipertensão arterial desencadeia outros problemas?

Ela pode prejudicar os rins e o coração, principalmente. A boa notícia é que nas crianças são raros os chamados derrames, ou seja, os acidentes vasculares cerebrais decorrentes da hipertensão, que, infelizmente, é um fenômeno mundial.

Ela deve ser tratada a vida toda? Pode levar à morte?

Tudo depende da causa, se é renal, cardíaca ou endócrina, mas é uma doença crônica. E casos muito graves e raros na infância podem ser letais, sim. 

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