É da música "Imitation of Life", da banda R.E.M., um dos videoclipes — ainda se usa falar videoclipe, certo? — mais interessantes a que já assisti. Mostra uma festa ao redor de uma piscina, daquelas com cascata artificial, com um jardim ao fundo que só reforça o aspecto kitsch do todo.Os convidados dançam, pulam na água, bebem, cantam junto a música, conversam; mas há algo estranho acontecendo: a câmera realiza um balé meio robótico à medida que procura os rostos dos presentes para dar zoom neles, e as cenas parecem se repetir. E desconfiamos, pelo movimento de braços, pernas, troncos e cabelos, que algumas sequências estão ao contrário — até termos certeza disso ao ver um sujeito, em segundo plano, correr de costas, com o braço em chamas, até uma churrasqueira, onde a chama desaparece (onde, na verdade, o fogo começou).Fui pesquisar a respeito do clipe (realização da dupla Hammer & Tongs, que além de uma série de vídeos musicais, filmou "O Guia do Mochileiro das Galáxias") e descobri o motivo de meu estranhamento. A tomada original possui apenas 20 segundos de duração e foi captada por meio de uma câmera estática. O que os realizadores fizeram a seguir foi, no mínimo, muito criativo: dilataram o tempo da sequência por meio de um recurso bastante simples — criaram um loop, no qual a ação avança, retrocede, avança e retrocede. Esse artifício não é perceptível em um primeiro momento porque outro efeito entra em ação, o chamado “pan and scan”, que aumenta e diminui o quadro sucessivamente, fechando o foco em diferentes convidados, em diferentes momentos.Assim, por exemplo, vemos em detalhe um pequeno espelho — desses de maquiagem — que reflete o rosto de uma moça, que canta junto com a música. A seguir, ela se levanta da mesa onde está sentada, olha para a câmera e, em seguida, atira o conteúdo de um copo no rosto de outra convidada, enquanto os convivas observam, atônitos.Em outro canto da festa, um casal parece feliz, mas, assim que ele vira as costas, ela corre para os braços do jardineiro que poda uma árvore, e os dois se entregam a um momento tórrido. Novo momento, novo detalhe: um garoto se posta no alto da queda d’água e parece hesitar em mergulhar na piscina, ao passo em que um adulto (talvez o pai do menino) gesticula para que ele pule de uma vez.Enfim, são esses momentos banais — ainda que cada um deles pareça representar pequenos universos — que compõem o vídeo de "Imitation of Life", nome tirado do filme homônimo de Douglas Sirk lançado em 1959 e cujo título em português, em tradução literal, é "Imitação da Vida".E não é outra coisa que esse clipe do R.E.M. mostra. Ao dilatar os 20 segundos originais de tomada para os 3:58 de duração da música, criou-se uma farsa, um simulacro. Um recorte no tempo, expandido por meio de artifícios digitais que repetem a ação à beira da piscina uma vez, e outra, e outra. Uma ilusão na qual acreditamos em um primeiro momento, para depois nos darmos conta que estamos sendo “enganados” pela sucessão de ângulos diferentes da mesma cena. O efeito dessa simulação, no entanto, é arrebatadora.Não teria o mesmo impacto se a canção que ela ilustra não fosse muito boa: é uma canção pop de alto potencial radiofônico (e de fato toca, com uma certa regularidade, nas FMs) que integra o disco "Reveal", de 2001. A música é solar, mas traz um solo de sintetizador, uma frase de poucas notas repetida três ou quatro vezes, cujo efeito é quase melancólico.Assim como o vídeo, que apesar de retratar um grupo de pessoas celebrando algo (a vida?) ao redor de uma piscina, nos faz desconfiar, com razão, que tudo não passa de uma encenação.