JOSÉ ERNESTO

Imagine!

José Ernesto dos Santos
30/03/2013 às 07:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 22:32

Um pouco de história e de números não faz mal a ninguém. Então vamos lá!

Fazer o curso médico nos anos 60 era mais complicado que hoje. Talvez nos anos 50 fosse mais difícil. Na década de 60 existiam poucas faculdades: seis no Estado de São Paulo e treze no Brasil. Em nosso Estado o candidato a médico disputava a FMUSP (fundada em 1913), a Paulista, hoje Unifesp (1933), Sorocaba (1933), Ribeirão Preto (1952), Botucatu (1963) e Campinas (1963).

Em Ribeirão Preto temos hoje três Faculdades de Medicina, e se não estiver enganado, sete em um raio de 100 km. No Brasil temos hoje 180 e no Estado de São Paulo, 30. A população do Brasil de 1960 para 2010 saltou de 70 milhões para 200 milhões de habitantes. Mesmo sem considerarmos a distribuição de médicos pelos estados e regiões, cada um pode tirar sua conclusão.

Os vestibulares não eram unificados. Era quase essencial que ao terminar o colegial o aluno fizesse, pelo menos, um ano de cursinho. Os cursinhos eram “casas de ensino” muito interessantes, pois como unidades de ensino não tinham nenhuma regulamentação, não eram fiscalizadas pelo MEC ou outro órgão do governo.

Funcionavam em casas adaptadas, onde estudantes de medicina ensinavam o que haviam aprendido. Eram uma unidades de ensino com estrutura administrativa e societária absolutamente primitivas. Em minha busca para entender o surgimento e a evolução dessas unidades de ensino, conclui que o Curso Carlos Chagas, o Curso Rocha Lima e o Curso de Problemas de Química e Física (CPQF) foram os primeiros “cursinhos” de Ribeirão Preto e foram criados em datas muito próximas. Segundo meu prezado amigo Dr. Isac Jorge Filho houve um anterior chamado Pasteur, mas dele não consegui informações.

O Curso Carlos Chagas foi fundado na metade da década de 50 pelos então acadêmicos Oswaldo Munhos, Virgílio Paccola e Eugen Kusle. Eles eram alunos da primeira turma da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto. O CPQF foi fundado por volta de 1956 e por ele passaram, entre outros, o Prof. Nassin Yasigi (saudoso professor de endocrinologia da FMRP), Aldo Foseci (professor de Bioquímica em nossa Faculdade e depois da Unicamp) e Ivan Fiori de Carvalho, professor de Imunologia em nossa faculdade.

Nos anos 60 Clovis Simão, Antonio Rufino Neto e Vicente Coutinho se encarregavam das aulas de problemas de física e química no CPQF. Em recente conversa com o Dr. Clovis Simão, renomado radiologista em nossa cidade, perguntei-lhe quem eram os donos do CPQF. Ele fez um breve silêncio que para mim foi a própria resposta. Não havia dono. Os acadêmicos que davam aulas dividiam mensalmente o lucro e com isso tinham um pouco mais de folga em suas contas pessoais durante o curso médico.

O Curso Rocha Lima era de propriedade do Centro Acadêmico da Faculdade de Medicina, tinha seus professores escolhidos por uma banca formada pelos docentes da Faculdade de Medicina. Em 1964, quando fiz cursinho, disputava ainda a atenção dos estudantes que terminavam o colegial, além dos já descritos, o Curso Cesar Lattes. Fora fundado 1960 pelos acadêmicos João C. Nobrega, Isaac Jorge Filho, Antonio Carlos Pereira Martins, Lídio Granato, Jairnei Miniglia, João Carlos Dias e do saudosíssimo Valfredo Padovan.

O Curso Carlos Chagas e o Curso Cesar Lattes eram vizinhos, na Rua General Osório entre Visconde de Inhaúma e Barão do Amazonas. Eram excelentes cursinhos, com professores-acadêmicos de medicina ou médicos recém-formados que se desdobravam para disputar um numero maior de aprovados nos vestibulares.

No final de 1963, um grupo de “dissidentes” do Carlos Chagas, ainda estudantes de medicina, formado por Roberto Passeto Falcão, Edmilson Gigante, Luiz Carlos Mantovani, Vicente Coutinho e José Antonio Apparecido de Oliveira, associaram-se a Laertel Fassoni, Ibrahim Younan, Salim Moises Jorge, e José Geraldo Specialli e fundaram um novo cursinho em Ribeirão Preto, o Curso Oswaldo Cruz. Investiguei os motivos dessa separação e conclui, de maneira muito simplista, que houve um conflito de gerações e a força e tenacidade de um grupo mais jovem acreditando em seus próprios potencias.

No final de 1963 ofereceram um curso intensivo na sede do CPQF na Rua Visconde de Inhaúma, próximo a General Osório, e em 1964 iniciaram suas atividades em sede situada na Rua Barão do Amazonas 235, onde hoje está o estacionamento do Banco Itaú. Na esquina, cruzamento com a Rua General Osório, situava-se uma das belas e famosas casas da cidade, conhecida como Palacete Inecchi. Neste casarão a Escola de Enfermagem da USP iniciou as suas atividades. Posteriormente, em um dos tantos ataques ao patrimônio histórico da cidade, o Palacete foi destruído e construído a sede do banco.

Fui aluno do COC em 1964, um curso que engatinhava. Porque não fiz um cursinho com mais tradição e maior tempo de existência? Provavelmente por confiar nas pessoas que fundavam o COC. A mídia não tinha então a influência de hoje na escolha. A propaganda dos cursinhos era embrionária e a pequena divulgação era feita pelas rádios (PRA-7 e ZYR-79) e pelos jornais ("A Cidade", "O Diário" e "O Diário de Notícias").

Eu e cerca de pouco mais de uma centena de jovens confiamos no grupo de estudantes, todos no terceiro ou quartanistas de Medicina, que se predispunham a ensinar, sem apostilas, sem computadores, sem “tablets” ou projeção de diapositivos, mas com giz, lousa, caderno e muita dedicação, o programa dos vestibulares. Valeu a pena. Eles se desdobraram ensinando e cobrando nossa aplicação e disciplina no estudo.

Tive neste grupo exemplos brilhantes de didática e dedicação. Felizmente são meus amigos até hoje. No ano de cursinho, em companhia do Rui C. M. Mamede (professor da USP), José Ângelo Gonçalves (médico em Araraquara) e Mario Portela Serra (médico em Franca), nunca estudamos tantas horas seguidas. No final do ano, um vestibular duro e até os tempos de hoje, cruel para qualquer jovem de 18 anos.

Para ter-se uma ideia do sucesso do COC em seu primeiro ano de funcionamento, dos dez primeiros classificados no vestibular de Ribeirão Preto, nove eram alunos do COC. Foi o retorno do capital que os jovens acadêmicos- fundadores investiram.

Vocês já imaginaram nos tempos atuais, com o profissionalismo e o poder econômico dos cursos existentes, se um grupo de terceiranistas de medicina fundasse um cursinho preparatório aos vestibulares? Qual seria o investimento inicial para somente sabermos de sua existência?

Tenho ainda viva em minha memória a lembrança de quando tomei o ônibus na Praça XV com destino ao campus da FMRP para fazer a prova do vestibular. O ponto central de ônibus urbanos situava-se no quadrilátero entre a General Osório, Duque de Caxias, Barão do Amazonas e Visconde do Inhaúma. Os ônibus para a faculdade saiam da esquina da Rua General Osório com a Rua Visconde de Inhaúma. Quando o ônibus adentrou pelos portões centenários do campus (a única entrada era pela estrada que nos liga a Sertãozinho) gravei em minha retina a imagem de um castelo inexpugnável. O prédio central da FMRP. Tive a felicidade de frequentar esse castelo como estudante por seis anos e como docente por 38 anos.

Penso e arrisco a dizer que com certeza o grupo de jovens estudantes fundadores do COC, jamais imaginaria que hoje esse “cursinho” estaria hoje vivo e completando cinquenta anos.

Imagine!

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