RODRIGO DE MORAES

Ilusões

Rodrigo de Moraes
rodrigo@rac.com.br
01/04/2015 às 05:00.
Atualizado em 23/04/2022 às 18:40

Rodrigo de Moraes, colunista, editor, Correio Popular ( Cedoc/RAC)

Em 'O Mesmo Mar' (Companhia das Letras), pequena joia que ganhei de uma amiga, Amós Oz fala de um ancião grego que, em troca de uma determinada quantia de dinheiro, evoca os mortos. Ele recebe o visitante em casa, pede pagamento adiantado e avisa que não garante que o falecido vá aparecer. Deixa a pessoa sozinha na sala e volta algum tempo depois, sem nada perguntar. Oferece um copo de água fresca ao fim da sessão e acompanha a visita até a porta. Albert Danon, o personagem que acorre ao velho para lhe requisitar os préstimos, perdeu a mulher, Nádia. Quer, quem sabe, voltar a vê-la, nem que seja em um relance. Ao sentar-se na sala, fecha os olhos, torna a abri-los, mas não há nada, só uma figura que ele imagina bordada nas dobras da cortina. Ao deixar a casa do grego — Albert conta depois para uma amiga —, no meio da rua viu uma mulher um pouco parecida com a sua Nádia, mas de costas. É uma passagem sutil, sem revelações ou reviravoltas, mas de peculiar beleza. Há uma sugestão do sobrenatural, mas tão diáfana quanto a figura que o personagem imagina ver na cortina da sala, tão fugaz quanto a mulher sem rosto andando na rua — era ela, Nádia, momentaneamente materializada por obra do grego? Por estar sugestionado, Albert enganou-se? * * * * * * * * * Chama-se pareidolia a habilidade do cérebro humano perceber figuras em formas aleatórias: aquela nuvem parece um cavalo, o nó da madeira da porta assemelha-se a um cão sentado. Em um muro de minha casa a umidade criou uma mancha que lembra uma pintura rupestre: vejo filhotes de lobo sendo amamentados, e vejo também uma figura caprina. Perto de onde moro há um cartaz afixado há semanas em um poste. Sempre que passo por ele, vejo um rosto feminino, e minha mulher vê o rosto de um palhaço. É, na verdade, uma propaganda que estampa a imagem de uma máquina de lavar roupas. Dizem que a pareidolia é um traço evolutivo: para ter mais chances de sobrevivência, em tempos pré-históricos, o homem tinha que possuir uma acuidade de percepção que o possibilitasse distinguir ameaças como um predador camuflado em meio à vegetação. Isso trouxe óbvias vantagens, mas. como afirma Marcelo J. Doro, professor de filosofia da Universidade de Passo Fundo (RS), no artigo 'Pareidolia' ( também trouxe um efeito colateral: justamente a possibilidade de nos enganarmos em relação a algumas percepções. “Como quando, olhando de longe, na penumbra, confundimos com uma pessoa o tronco retorcido e seco de uma árvore.” Penso também que esse fenômeno se deve à nossa tendência de buscar sentido em formas aleatórias, de encontrar ordem no caos. A exploração do espaço é responsável por um caso clássico de pareidolia (que, bem lembrado, também se aplica a sons, mas não vou me estender sobre isso agora). Quando a sonda Viking orbitou Marte, lá em 1976, a Nasa divulgou uma foto impressionante: na superfície de uma região do planeta chamada Cydonia via-se claramente um rosto humano. A imagem gerou um frenesi que enveredou por caminho óbvio: a formação era prova da existência, em alguma época, de vida extraterrestre inteligente. Duas décadas se passaram até novas sondas enviarem imagens mais detalhadas da tal formação e elucidarem o “mistério”: é um morro, de formato ovalado e contornos relativamente suaves, com cerca de 1,5km de extensão; não há olhos nem boca, ilusão causada por sombras na foto de 1976.   * * * * * * * * * * * * Na igreja, durante a missa em memória a meu sogro, minha mulher ficou espantada com a semelhança de um homem que ela viu, de costas, com o pai dela. A mesma calva, o mesmo porte, a mesma postura. Claro que não era, mas por um instante, como a mulher que Albert Danon viu na rua, era ele.

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