I am the People ( Divulgação)
I am the People (Anna Roussillon, França), é uma das boas atrações da mostra competitiva do 4º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba que acontece até quinta-feira.
A linguagem dele é convencional porque se pauta pelas entrevistas – uma das tradições do documentário. Mas ele possui algumas características que o tiram desse mesmo convencional e nisto residem algumas das riquezas do filme.
A diretora libanesa de Beirute, criada no Cairo (Egito) e radicada em Paris, consegue a proeza de encontrar uma família que permite a ela trabalhar com desenvoltura naquilo que se propõe: acompanhar as manifestações da praça Tahrir, no Cairo, em 2011, e que culminaram com a queda do ditador Mubarak e a eleição e queda do presidente Morsi.
Mas o que importa aqui são as variantes desse acompanhar. A família vive ao sul do país e assiste às manifestações pela TV. E o pai da família, apesar de agricultor, é formado em direito e muito politizado, mas a mulher também expressa posições polêmicas. E tem uma criança que, além de funcionar como alívio cômico, agrega intervenções preciosas.
Além disso, a diretora sai do conforto do entrevistador e se permite ser questionada tanto pelo pai quanto pela mãe e ela própria também questiona de modo incisivo os personagens. Normalmente o documentarista tem a tendência de se apaixonar por seus personagens ou manter certo distanciamento profissional deles.
Aqui, ao contrário, ela rompe essas duas barreiras quando, por exemplo, o pai a questiona sobre o conceito de democracia. Ou mãe sugere que ela se engravide e vá cuidar de filho em vez de se preocupar com política ou cinema. Alguns desses confrontos estão entre os melhores momentos do filme.
Em se tratando de política não é difícil tomar-se um partido. O filme toma, pois está ao lados dos manifestantes, mas o que importa é o modo como ele abre espaço para um debate mais que saudável.
E por fim, há um olhar interessante sobre as manifestações da praça Tahrir: o fato de elas serem mostradas via TV. Não só porque o acesso pessoal daquela família ao local dos eventos seria impensável, mas pela força da televisão. Há um comentário até jocoso do pai sobre o enterro do vizinho. Ele diz que ninguém foi ao velório porque todo mundo estava de olho na TV a fim de ver o resultado das eleições que elegeram Morsi.
E Anna Roussillon termina muito bem o filme – o que também é tarefa difícil. Assim, há enorme prazer em rever uma história recente não descrita nem como jornalismo (e sua suposta imparcialidade) ou de forma didática. Sim, quem não acompanhou os eventos do Egito ficarão inteirados deles, mas para além da informação há a rica abordagem da diretora ao espinhoso tema da política.
* O jornalista viajou a convite do festival