Em tempos de ócio familiar, nada como a estética para descansar a mente e, ao mesmo teAssistimos ao último filme em cartaz de Tolkien, baseado no livro homônimo, o Hobbit, que, no Brasil, na primeira edição traduzida, foi contemplado com a infeliz tradução de o Gnomo. Nada como um pouco de ignorância em filologia misturado com mais ignorância sobre a obra original de um autor: o resultado da tradução é sempre um desastre linguístico.O Hobbit vai introduzindo os principais povos da Terra Média e seus principais personagens, ambos sempre tentados, pelas inúmeras circunstâncias, a fazer um bom ou um mau uso das excelências recebidas, com imediatos reflexos de edificação ou destruição daquele peculiar mundo.À semelhança das demais obras de Tolkien, como o Senhor dos Anéis ou o Silmarillion, esse personagens e povos não são conduzidos autoritariamente para um dado fim, mas sempre lhes são propostos um caminho a trilhar ou uma pauta a seguir.A dissonância, normalmente, fica por conta do poder das criaturas mais grandiosas da obra tolkiana que, no exercício da liberdade, pretendem um mundo diverso, fruto exclusivo de sua vontade e submetido ao seu domínio. No Hobbit, já se pressente o ressurgimento de uma delas, que simboliza o mau uso da liberdade e a utilização dos talentos sem uma pauta, na busca de uma saga sem um destino conhecido.O que é a liberdade? Ter uma pauta ou um projeto não é restringi-la? A ideia comum de liberdade é a de uma autonomia sem condicionamentos. Liberdade é fazer o que se quer, como se ouve na música: estar completamente aberto, a todo momento, para escolher o que se deseja, sem qualquer limite moral.Essa postura foi bem descrita por Stuart Mill. Em sua famosa obra sobre a liberdade, ele a descreve como a possibilidade de eleição. A liberdade está em se poder escolher, qualquer que seja a escolha, pois o valor mais alto seria a própria liberdade e os valores escolhidos seriam completamente indiferentes.Sob outro ângulo, o homem não teria liberdade alguma, pois, com a corrupção da natureza humana depois do pecado original, estaríamos inteiramente condicionados pelo mal. É a visão antropológica de Lutero, para quem a tendência do homem ao pecado é tal que ele não tem liberdade para resistir e optar pelo bem.Nem Stuart Mill, nem Lutero. Nem a total ausência de condicionamento, nem a determinação absoluta. A primeira cria uma utopia antropológica, porque sempre existiram e sempre existirão uma série de limitações morais, históricas e materiais.A segunda provoca uma espécie de pessimismo antropológico: o homem, abandonado aos condicionamentos, seria uma espécie de animal mais evoluído, governado, à escolha do leitor, pelo determinismo social de Skinner, pela criminologia de Lombroso, pelo determinismo sexual de Freud, pela tipologia psicológica de Jung ou pelo determinismo econômico de Marx.Preferimos ficar no meio-termo entre uma e outra. Como ser racional, o homem é dotado de inteligência e vontade. Pela inteligência, ele conhece a realidade e forma uma ideia das coisas (a verdade), captando, nas mesmas coisas, aquelas que são capazes de atender suas necessidades e de aperfeiçoá-lo (o bem). Pela vontade, o homem quer os bens que intelectualmente captou como bons para si.Assim, a liberdade é a autodeterminação da vontade pelo bem que nos completa. Uma autodeterminação que não significa que o homem não esteja condicionado, mas que pode escolher seus condicionamentos. Se todos gostam de futebol, posso escolher o time de maior torcida, em razão da pressão do ambiente, ou pelo mais vitorioso, porque em identifico como um sujeito vencedor.E que não significa uma abertura eterna a todas as possibilidades, porque toda eleição é, ao mesmo tempo, uma exclusão. Quando escolhi estudar direito, renunciei à economia. Quando escolhi esta mulher como minha esposa, renunciei às outras.Como no Hobbit, o segredo da realização da saga existencial de cada um está em desvendar e implementar uma pauta vital que nos aperfeiçoe como homem, no uso livre de nossas faculdades. E, para quem se interessar, com a ajuda dos hobbits, cujas ideias e intuições ajudam a compreender o sentido ético mais profundo do agir humano. Com respeito à divergência, é o que penso.