O ócio pode ser pragmático, amigos boleiros, quando a preservação de certos hábitos bocejam em nossos ouvidos. Vejam só como são as coisas. Eu poderia estar bebendo, poderia estar dormindo, poderia estar fazendo nada de útil, mas passei a rodada deste domingo sem uma peleja sequer fora da rotina.
Em pleno Dia das Mães, com feijoadas e churrascos exalando de todos os lares, meu domingo seguiu à risca a cartilha da normalidade. Almocei às pressas por dever de ofício, acendi o cigarro mal fadado da digestão e desci, sentei no trono de sempre com a boca escancarada cheia de dentes esperando as decisões estaduais começarem na tevê.
Não dá para dizer que não houve quebra de protocolos e previsões, tampouco emoção para os que se sagraram campeões com (ou sem) estilo na derradeira e decisiva rodada do calendário de muitos campeonatos. Mas o futebol é decidido nos detalhes, como dizem os professores-técnicos pelo Brasil afora, e o detalhe que me tirou o sono, ou melhor, me deu canseira aconteceu cinco minutos antes de a bola rolar.
Sim, nesse pequeno intervalo de tempo, nesse lapso cronológico quase insignificante, o meu domingo foi mandado de bico para escanteio. Não sei quem escalou aquela dupla, tampouco a razão de estarem em campo sem ter marcado um gol sequer na temporada, mas vai ser difícil esquecer (infelizmente) a execução do Hino Nacional em versão caipira-chique-radiofônica que antecipou o duelo entre Corinthians e Santos. Tudo bem que o nosso cântico patriótico tem sido desprezado e, pra ser sincero, nem deveria estar ali, sendo desprezado pela massa que ainda não aprendeu a cantá-lo depois um século e meio de existência. Como disse um camarada certa vez, o Hino Nacional toca mais que funk carioca e sertanejo e ninguém escolhe ele para cantar no programa musical do Carlinhos Brown.
A coisa tá feia e não é de hoje. E, já que estamos condenados a ouvi-lo por força da Lei, o melhor é dar um jeito na situação. Sei lá, talvez, convidar o João Gilberto para tocar. Ou apenas colocar uma gravação clássica e antiga (em versão reduzida, por favor) e sem letra para que ninguém passe vergonha durante a execução. Mas se o Hino Nacional continuar a ser maltratado como tem sido em partidas de grande ou nenhuma importância, em pouco tempo, algum doido varrido, que não sofre de paranoias patrióticas, vai sugerir a sua extinção. Ou, mais ainda, que ele seja reescrito por algum grupo de pagode do momento.
A minha sugestão é mais humilde: tirar a obrigatoriedade da execução e levá-lo a campo apenas em jogos da Seleção Brasileira. Aí, sim, a mão no peito, a postura reta e respeitosa, o canto vigoroso da população, o verso ufanista inflamado, o orgulho de ser, viver, pertencer e ter nascido brasileiro poderá ter algum sentido nessa nação sem lenço, documento e quase Hino Nacional.