RODRIGO DE MORAES

Hilda

Rodrigo de Moraes
rodrigo@rac.com.br
12/06/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 12:34

Acho que nunca um livro me derrubou do jeito que fiquei derrubado há alguns dias. "Fico Besta quando me Entendem - Entrevistas com Hilda Hilst" (Biblioteca Azul/Globo Livros), é uma seleção de conversas com a “maldita” autora de "Tu não te Moves de Ti" e "Júbilo, Memória, Noviciado e Paixão", cuja morte completa dez anos em 2014.De início, devo confessar nunca ter lido um livro dela, eu, que me considero um leitor mais ou menos voraz. Devo culpar uma falta de conjunção favorável dos astros ou lançar mão da justificativa de que “os livros escolhem o leitor”?De qualquer maneira, essa coletânea de entrevistas cuja leitura me deixou ensimesmado e macambúzio por alguns dias esclareceu uma coisa (que os iniciados em sua obra devem achar absolutamente óbvio): ler Hilda Hilst requer cumplicidade e entrega do leitor. Requer saber de antemão que ela é uma autora “difícil”, que o que ela oferece — digo isso da maior e mais significativa parte de sua obra — é algo que foge à narrativa convencional. Melhor dizendo, não é uma narrativa, mas uma torrente de ideias, sensações, imagens; um fluxo tão desconcertante quanto elaborado de palavras que tentam desvendar o essencial, o invisível, o sagrado.Em "Fico Besta quando me Entendem", o organizador Cristiano Diniz cita o crítico Anatol Rosenfeld (1912-1973) para sustentar a tese de que Hilda, além de dominar com igual maestria a poesia, a prosa o teatro, também aprendeu a dominar os “macetes” da entrevista — não como entrevistadora, mas como entrevistada. Aprendeu a se deixar entrever pelos interlocutores, ávidos por extrair dela alguma declaração, alguma pista que servisse como chave para entender a sua obra — que ela mesma dizia ser tão clara que não compreendia o porquê de tanto carnaval a respeito.O livro reúne entrevistas realizadas entre 1952 (quando ela já havia granjeado respeito como poeta com o lançamento de "Presságio" e "Balada de Alzira") e 2003. Esse material foi em sua maior parte extraído do Centro de Documentação Cultural “Alexandre Eulálio” (Cedae), da Unicamp, e inclui entrevistas de Hilda Hilst ao Correio Popular, do qual ela foi cronista nos anos 90.Hilda fala do seu medo da loucura (seu pai, Apolônio, era esquizofrênico), da morte (com a qual ela dizia não se conformar, o que a levou a se interessar por experimentos com gravações de supostas vozes dos mortos), da criação literária; se queixa do desinteresse e da displicência dos editores com seus livros, do silêncio da crítica em relação à sua obra, de sua angustiante necessidade de se comunicar e de se fazer ouvida. E de sua certeza de que criou algo muito bom.Está ainda por surgir, como aponta Diniz no prefácio de "Fico Besta ...", um estudo que dê conta da real dimensão da obra de Hilda Hilst, que poderia compor com Guimarães Rosa e Clarice Lispector uma espécie de Santíssima Trindade de experimentadores da língua portuguesa. E é justamente por conta dessa mesma transgressão formal, essa ousadia estilística e essa absoluta recusa (bem, talvez fosse menos uma recusa do que uma certeza de que não havia outro caminho) em ceder à convenção, a fazer concessões, em afagar a cabeça do leitor. Ao enveredar por essa trilha, no entanto, pagou o preço de ser considerada hermética (definição que a deixava perplexa) e inalcançável. E isso parece, com o passar dos anos, ter provocado um grande abalo em Hilda, como sugerem as entrevistas realizadas em seus últimos anos de vida. Em uma delas, concedida ao Cadernos de Literatura Brasileiros em 1999, um grupo de entrevistadores — entre eles Jorge Coli e Millôr Fernandes — a autora é confrontada com uma série de perguntas e adota um tom desencantado em boa parte das respostas. Em uma delas, ao ser indagada sobre poesia e de como ela se manifesta para o poeta, desabafa: “Como eu disse antes, eu já escrevi coisas deslumbrantes. Quem não entender, que se dane! Não tenho mais nada a ver com isso. Eu não sinto que esteja num mundo que seja o 'meu' mundo. Devo ter caído aqui por acaso. Não entendo por que fui nascer aqui na Terra. Com raríssimas exceções, não tenho nada a ver com este mundo”.

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