PASQUALE CIPRO NETO

Há recursos mais do que bastantes ...

PASQUALE CIPRO NETO
22/03/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 23:38

Na última coluna, falamos da flexão da palavra “meio”. Partimos da coluna em que tratamos do vocábulo “meado(s)”, que nos levou ao restante da família (“meio”, “meeiro”, “mear”, “medíocre”, “mediano” etc.).A conversa sobre “meio cansada(s)”, “meio nervosa(s)” nos lembra outros casos enjoados de concordância. Um deles diz respeito a “bastante”, termo que volta e meia aparece em concursos públicos.Ao pé da letra, “bastante” significa “que basta”: “dinheiro bastante” é simplesmente “dinheiro que basta”. Na palavra “bastante” se encontra a terminação “-nte” (de origem latina), presente em inúmeras palavras da nossa língua: “pedinte”, “dormente”, “cintilante”, “extenuante”, “cortante”, “crente”, “ouvinte”, “sobrevivente”, “fluente”, “entorpecente”, “servente”, “amante”, “distante”, “poente”, “flagrante”, “oponente”, “existente”, “falante”, “tangente”, “presidente”, “dependente”, “delinquente” etc. Um “presidente” nada mais é do que um ser que preside (do verbo “presidir”).Esse “-nte” vem da terminação latina do particípio presente, de que resultaram, em nossa língua, diversos substantivos e adjetivos que contêm a ideia de “aquele que executa determinado processo” (“adoçante” significa “que adoça”, “maledicente” equivale a “que maldiz”, “distante” corresponde a “que dista” e assim por diante).Quanto à concordância, faz-se com “bastante” o que se faz com qualquer adjetivo, ou seja, faz-se sua flexão de acordo com o substantivo modificado: “Há dinheiro bastante para a conclusão da obra”; “Há recursos mais do que bastantes para a conclusão da obra”. Na prática, porém, é pouco comum entre nós o emprego da forma “bastantes”. É raro ouvir-se, por exemplo, alguém dizer que o jogador perdeu “bastantes ocasiões para marcar um gol”. O que se ouve mesmo é “bastante ocasiões”, o que talvez se explique pelo fato de que ao falante a flexão de “bastante” parece desnecessária, uma vez que essa palavra carrega em seu significado a ideia de abundância.No padrão formal culto da língua, no entanto, “bastante” tem flexão de número, ou seja, tem singular e plural, quando modifica substantivo (“Havia deputados bastantes para o início da sessão”). É bom lembrar que “bastantes” pode equivaler a “muitos/muitas” ou “suficientes” (“Havia deputados suficientes para o início da sessão”).Quando modifica adjetivo, advérbio ou verbo, ou seja, quando funciona como advérbio (de intensidade), “bastante” não tem flexão de número, o que ocorre com os demais advérbios que têm essa função: “As meninas estavam muito/bastante ansiosas”; “Os jogadores ficaram muito/bastante irritados”; “Eles redigem muito/bastante bem”, “Os torcedores gritaram muito/bastante durante toda a partida”.Outros casos importantes são os das palavras “quite” e “mesmo”. Com esses vocábulos, a questão é mais simples. O adjetivo “quite”, que vem do particípio (irregular) de “quitar” e significa “livre de dívida ou de obrigação”, concorda com o s substantivo ou pronome que modifica: “Paguei todas as dívidas, logo estou quite”; “Pagamos todas as dívidas, logo estamos quites”; “Cumpri o meu compromisso, portanto estou quite com você”. No primeiro e no terceiro exemplos, o adjetivo “quite” modifica o pronome “eu”, implícito na forma verbal “estou”; no segundo, modifica o pronome “nós”, também implícito (na forma verbal “pagamos”). Popularíssimas, as formas “Estou quites” e “Ele/a está quites” não ocorrem no padrão formal culto da língua.Quando modifica substantivo ou pronome, a palavra “mesmo” varia de acordo com o termo modificado: “Elas mesmas costuram as bolsas que vendem”; “Eles mesmos compuseram a música e fizeram o arranjo”. Isso ocorre também com a palavra “próprio”: “Elas próprias costuram...”; “Eles próprios compuseram...”.

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2025Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por