Presidente da Associação Ambientalista Mata do Quilombo busca conscientizar a população sobre a importância desse remanescente cerrado
O verde das folhas se funde ao tom esmeralda dos olhos da farmacêutica bioquímica Irandaia Ubirajara Garcia, presidente da Associação Ambientalista Mata do Quilombo (AAMaQ), principal defensor desse patrimônio campineiro. Tombada em 2010 pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Cultural de Campinas (Condepacc) e localizada na Vila Holandia, às margens da Estrada da Rhodia, a mata a tem como guardiã há mais de uma década. Irandaia mudou-se para Campinas quando o marido, Marcos Garcia, foi convidado a trabalhar no centro de pesquisa da Rhodia. Hoje, aos 65 anos, a mineira de Belo Horizonte quer conscientizar as pessoas da importância do local e buscar sua revitalização ao criar um plano de manejo.
Apaixonada pela beleza dos quase 33 hectares da Mata do Quilombo, que pode se tornar o único remanescente de cerrado na cidade, Irandaia é a filha do meio de uma família de 11 irmãos. Foi com o pai, já falecido, fundador e ex-diretor da Faculdade de Educação Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), José Pereira da Silva, que ela aprendeu a amar a natureza.
Professora aposentada, formada pela UFMG, cursou mestrado e doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). O primeiro lhe proporcionou fazer extensão do curso na França e colaborar com o trabalho da imunologista Annie Prouvost-Danon, no Institut Pasteur. Graças ao segundo, complementou a tese no francês Institut de Recherches sur le Cancer (IRSC), em Villejuif, referência em pesquisa sobre câncer em toda a Europa.
Nesta entrevista à Metrópole, Irandaia fala sobre o amor à Mata do Quilombo, da busca por sua preservação e da criação do Instituto Annie Danon, do qual é diretora.
Metrópole – Como nasceu o Instituto Annie Danon?
Irandaia Ubirajara Garcia – Após a morte de Annie Prouvost-Danon, em 1997, minha orientadora, criei o instituto em sua homenagem, para apoiar e incentivar a ciência. Por causa disso, me encontrei com a Mata do Quilombo, já que meu quintal era sua extensão. E comecei a estudá-la. Quando era professora na Faculdade de Ciências Biológicas da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas), onde lecionei por cerca de 15 anos na área da saúde, elaborei um curso de imunologia atrelado à natureza. Aí surgiu o Ninho do Saber, com os alunos me ajudando a explicar tudo para a comunidade em um trabalho de voluntariado.
Como aliou natureza e aulas universitárias sobre imunologia?
Apliquei minha imunologia tanto na medicina quanto na biologia e fiz para cada curso a adaptação da matéria. Criei um modelo inédito para a biologia. Montei um curso básico de imunobiologia e me apaixonei pelos tópicos abordados. Falava do equilíbrio do universo de cada ser animal e vegetal e da interação dos seres vivos por meio do reconhecimento molecular pelo sistema imune. Os estudantes se interessaram e, assim, montei o curso Ninho do Saber.
A senhora pode explicar como eram essas aulas na prática?
Quando os raios solares incidem sobre a vegetação de uma floresta, vemos um fenômeno maravilhoso nessa atmosfera. Ali estão contidas micropartículas de polén, microorganismos, dejetos de animais e estruturas orgânicas e inorgânicas em suspensão com suas respectivas moléculas. Para diferentes seres do reino animal, essas moléculas podem constituir o que chamamos de antígeno (estranho) frente ao seu sistema imunológico e de outra forma posso também estender isso ao reino vegetal, por meio de seu sistema natural de proteção. Assim, a interação dessas moléculas pode violar o equilíbrio de um ser ali presente e induzir a produção de doenças. Ou, na grande maioria das vezes, essas interações moleculares levam, certamente, a um processo de harmonia, já que cada ser presente tem um universo molecular muito à natureza (não-estranho), pois dela se origina e dela faz parte plenamente.
Então, a natureza tem muito a nos ensinar sobre essas interações.
Do ponto de vista imunológico, o reconhecimento molecular consiste na resposta que uma substância induz em relação a outra, baseada na adaptação recíproca de uma fração molecular de ambas envolvidas no processo. No âmbito da biologia, representa a capacidade que uma molécula de um ser tem de se ligar a outra de forma complementar, como no caso dos sistemas substrato-enzima e anticorpo-antígeno ou receptor celular-antígeno. É muito mais prazeroso aprender essas interações na prática, não só na teoria.
Como a Mata do Quilombo entrou em sua vida?
A mata tem origem na Fazenda do Quilombo, fragmentada e vendida a imigrantes, entre eles portugueses, holandeses e alemães. Eles foram os primeiros a povoar o distrito de Barão Geraldo e vieram para se dedicar à terra. Eu mesma comprei a chácara onde funciona o Instituto Annie Danon e a AAMaQ de uma família portuguesa. Apaixonei-me, primeiro, pelo meu quintal e depois pela mata. Uma parte da área foi devastada no governo de Hélio de Oliveira Santos para construção de uma Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). A mata sofre com a ação do homem, principalmente, pelo despejo irregular de lixo.
E existe alguma ação para evitar isso?
A Secretaria do Verde e do Desenvolvimento Sustentável de Campinas, com apoio da Sociedade de Abastecimento de Água e Saneamento S/A (Sanasa) e da Secretaria de Infraestrutura, estuda restringir o acesso, deixando-o livre apenas a pedestres, ciclistas e animais. Para se ter uma ideia da importância da área, ela será citada no seminário A Propriedade Rural e o Corredor das Onças: Como Podemos Ajudar, em 17 de abril, no Auditório do Instituto de Economia da Unicamp, das 8h às 12h30. A organização do evento é do Projeto Corredor das Onças, Brasilinvest, Associação das Nações Unidas-Brasil (Anubra) e prefeituras de Artur Nogueira, Campinas, Cosmópolis, Paulínia e Holambra. A Mata do Quilombo faz parte desse corredor verde e estaremos colaborando com a divulgação e ideias para auxiliar nos estudos.
É verdade que a senhora quer formalizar a AAMaQ?
Sim. Quando a mata foi tombada pelo Condepacc, criei essa associação, que está sendo formalizada. Seu objetivo é proteger a mata e desenvolver educação ambiental voltada para o trecho. Por isso, criei o curso Ninho do Saber em 2011.
Este ano haverá nova edição do curso?
Lançaremos as inscrições na primeira semana de setembro, para pessoas a partir de 50 anos. Não há custo, mas é preciso comprar nossa camiseta. Para se inscrever não é necessário ter qualquer grau de instrução, mas é primordial que goste de natureza. A pessoa faz o curso, recebe o certificado Guardião da Mata do Quilombo e continua a conviver com o grupo, realizando diversas ações. As inscrições serão divulgadas em veículos de comunicação e podem ser feitas pelo e-mail [email protected].
O que aprende o futuro guardião?
Noções básicas de meio ambiente. Cada aluno escolhe um tema para pesquisa em campo e desenvolvimento teórico. Por exemplo, no caso de borboletas, temos uma coleção com exemplares encontrados mortos na mata. Apesar de algumas apresentarem deformidade, servem muito bem para pesquisa. No final, todos mostram seus trabalhos por meio de painéis, como num congresso.