PRESSÃO

Governar o tempo é desejo para ter qualidade de vida

Tecnologia é nossa grande aliada, mas ela não veio para fazer os relógios pararem

José Ricardo Ferreira
01/09/2013 às 17:25.
Atualizado em 25/04/2022 às 22:55
O professor Mariguela administra com maestria o seu tempo (Thiago Altafini/Unimep/arquivo)

O professor Mariguela administra com maestria o seu tempo (Thiago Altafini/Unimep/arquivo)

A crescente agitação do mundo moderno não dá espaço para uma vida mais tranquila. Tudo e todos nos pedem atenção o tempo todo. Estamos sempre correndo de um lado para o outro numa luta constante contra o relógio.Uma das características desse cenário é a mudança do mundo do trabalho. Cada vez mais vivemos sob pressão. Somos cobrados e nos cobramos constantemente para atingir metas.Não bastasse a pressão no emprego ou nos estudos, também batalhamos pesado em busca de bens materiais para uma vida teoricamente mais confortável. A tecnologia é nossa grande aliada, mas ela não veio para fazer os relógios pararem. Então, lenha na fogueira porque cada minuto de nossas atividades está sendo cronometrado.Diante disso, uma pergunta não se cala: "Onde foi parar nosso tempo?" Os mais antigos, por exemplo, lembram de tarefas inimagináveis hoje em dia. Mas nem por isso se queixavam da falta de tempo para o lazer, para os estudos, para a família.Imagine que há bem pouco tempo atrás havia até "fila do vasilhame" nos supermercados; não existia fralda descartável; precisava esperar o "leite ferver" para o café da manhã e mensalmente "degelar a geladeira". Hoje não precisamos mais "perder tempo" com esses afazeres, mas ainda nos queixamos com a "falta de tempo" para outras atividades. JornadaO tempo é uma jornada sem fim. É um mergulho na história da humanidade e do planeta. É também um mistério. Cogita-se até que "ele não exista".Ou somos seus escravos ou senhores do tempo. Aposto que nesse momento você lê essa reportagem, mas está cronometrando o tempo. Quer fazer mais coisas.O tempo pode até ser um mistério, mas não existem dúvidas de que ele é implacável. Caso seja uma pessoa adulta, pegue um retrato de sua infância. Depois adolescência e maturidade. Quer prova mais contundente de que o tempo não para olhando as fotos das fases de sua vida?No documentário "Magia do Tempo" (BBC e Fantástico) é possível observar que nosso planeta se modifica paulatina e imperceptivelmente sob a ação do tempo. "Por isso, não é exagero afirmar que o tempo é a mais poderosa de todas as forças, capaz de causar profundas transformações em tudo o que existe, de pequenos roedores a enormes montanhas cobertas de gelo", relata o documentário. 30 HorasSaber administrar os horários é uma virtude e estudar e trabalhar para muitos não é um incômodo. Pelo contrário, é a oportunidade de valorizar ainda mais o tempo. "Estudo pela manhã, trabalho à tarde e faço academia à noite. E se o dia tivesse 30 horas, eu teria o que fazer", disse a estudante Nicole Moreno, de 16 anos.Certamente Nicole não se enquadra naquele grupo de pessoas que tem o nefasto hábito de deixar "as coisas para depois", isto é, postergar decisões. Ela é prática, ativa.Administrar o tempo também não é empecilho para o estudante Gabriel de Oliveira Ferreira, 14. "Uso bem o meu tempo, estudando, namorando. Uso as horas a meu favor", declara.Para a estudante Cassia Felix, 14, seria bom ter mais um pouco de tempo para outras coisas da vida. "Fico o dia todo na escola. Queria ter mais tempo para o lazer", disse. Sua busca é procurar distribuir melhor o seu tempo entre estudo e lazer.O operador de máquinas José Lázaro, 24, tem tempo para lazer somente nos finais de semana. "Mas não me queixo. Vou às baladas, churrascos, curtir os amigos. Me adapto facilmente às circunstâncias", disse. Tempo FilosóficoMárcio Mariguela é psicanalista e professor do curso de Filosofia da Unimep. "Heráclito de Éfeso (filósofo pré-socrático) escreveu: 'O tempo é uma criança que brinca, movendo as pedras do jogo para lá e para cá; governo de criança'. De lá pra cá, o tempo atravessa a história da Filosofia como tema fundador do pensamento. Santo Agostinho disse que se perguntarem 'o que é o tempo?', saberia o que é por senti-lo mas não seria capaz de traduzi-lo em palavras. A cronologia do tempo é uma convenção simbólica que sedimenta as relações sociais através da história. Que por sua vez só se escreve por tripartite: presente, passado e futuro. O antes, o agora e o depois são cortados em milionésimos de segundos", explica.Todo filósofo escreveu sobre o tempo e continuará escrevendo pelos séculos e séculos. "Heidegger escreveu 'O Ser e o Tempo', a obra fundadora do existencialismo francês de Sartre e seus discípulos", descreve Mariguela.O professor explica que a ocupação, o tempo do trabalho, foi acelerado de forma vertiginosa no modo de produção capitalista. "O tempo da cidade e o tempo do campo são totalmente distintos no modo de representação subjetiva. Na vida urbana somos instigados a fazer muitas coisas, estar em muitos lugares, consumir muitas mercadorias. Na vida no campo o tempo é regido pelo ciclo da natureza: o nascer e o por do sol; o tempo do plantio e da colheita; o tempo do ócio contemplativo. A vida transcorre mais lenta. Ou seja, na cidade a quantidade de ocupação causa um sintoma estressante, a ansiedade, a sensação de que não dá tempo para fazer nada", analisa.A tecnologia nos roubou o tempo para nós próprios? "O consumo de gadgets (dispositivos eletrônicos, por exemplo, celulares e smartphones) responde a uma demanda narcísica de querer estar conectado o tempo todo", entende o professor. "O exibicionismo e o voyerismo são sintomas predominantes dessa subtração do tempo realizado pelo avanço tecnológico", diz Mariguela."Certa vez presenciei dois garotos conversando pelo computador sendo que eles estavam um ao lado do outro. Com muitas atividades lúdicas e prazerosas para fazer, eles ficavam o tempo todo no computador. O tempo de vida a mais é subtraído pela demanda de consumo, que por sua vez requer mais trabalho. A engrenagem está bem ajustada: mais trabalho, mais consumo, mais trabalho para pagar o consumo. Quando o sujeito consumidor percebe, o tempo passou e a vida acabou", sentencia.O professor Mariguela procura se vigiar para distribuir bem suas atividades. "Tenho atualmente governo total de minha agenda. Consegui chegar a um tempo de vida que só faço o que eu quero. Desse modo, meu tempo é dedicado ao trabalho (o suficiente para viver com dignidade) e as atividades domésticas-familiares. Também ao cuidado do corpo (o que mais sente a ação do tempo) com acompanhamento de fisioterapia. Hoje persigo com dedicação o tempo do ócio, do não ter nada para fazer e poder escolher fazer o que se deseja. Concordo plenamente com Heráclito: o tempo é um governo de criança; é o tempo da criança brincando: ela não esta preocupada com o tempo, mas sim com o prazer da brincadeira."Para tudo ou para nada“Eu vejo o futuro repetir o passado. Eu vejo um museu de grandes novidades. O tempo não para (...)” Cazuza demonstra com essa música a admirável força do tempo. Olhar para o passado nos obriga a refletir: houve uma época em que tínhamos tempo para lavar fraldas, degelar a geladeira, esperar a massa do bolo descansar, escrever cartas, dar corda no relógio, esperar o leite ferver e no final do dia sobrava tempo para contemplar a vida. Ainda na década de 80, não existia o hábito de levar o carro no lava-rápido. Nos finais de semana, bem cedo, os moradores tiravam os seus carros da garagem e estacionavam na rua para lavar. Nos bancos, também era tudo manual - não existia caixa-eletrônico. Você pegava a fila e chegava rápido ao caixa. O atendente se dirigia até o fundo consultar o saldo e conferir a assinatura numa ficha de cartolina. Voltava e descontava o cheque. Dois livros retratam bem a questão do tempo: “Onde foi parar nosso tempo? - de Alberto Villas - Ed. Globo) e “Até que Enfim Mais Tempo!” - de Mark Foster (Ed. Fundamento). O primeiro é uma viagem ao passado para matar saudades e o segundo, dá dicas para você aproveitar bem o seu dia. Entre as dicas para aproveitar melhor o tempo, as seguintes: estabeleça prioridades, faça agora (não deixe para depois); organize a lista de tarefas; programe o seu dia; faça primeiro a tarefa que lhe chegar mais cedo; siga o fluxo. Afinal, não custa nada ser organizado (a), não é?

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