Renato Nalini, desembargador, reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove, palestrante e conferencista (DIVULGAÇÃO)
Quando se diz que o brasileiro curte o seu complexo de “vira lata” há quem se ofenda. Mas é preciso reconhecer que, ao menos em parte, isso acontece e há muito tempo. Tudo o que é nosso perde na competição com o estrangeiro. Sem xenofobia, é óbvio que há contribuições maravilhosas produzidas do outro lado do mundo. Mas nós também temos do que nos orgulhar. Ao menos em alguns setores. Um deles é a literatura. Machado de Assis, tivesse escrito em francês ou inglês e seria um dos cinco escritores mais importantes do universo. Nossa Lygia Fagundes Telles é uma romancista que supera dois terços dos premiados com o Nobel de Literatura, desde que a história dessa láurea teve início. Castiga-nos o idioma, embora o eufemismo da “Última flor do Lácio” nos console. O português, cada vez mais inculto, embora belo. Todavia, somos subservientes e aduladores quando se cuida de escrita estrangeira. Rendemos vassalagem a figuras que até em suas próprias pátrias, são questionados pelo seu real valor literário. Um deles é Michel Houellebecq, (1956 ou 1958), considerado hoje o autor francês mais lido e traduzido. Ele escreveu “Partículas Elementares” (1998), que foi considerado um livro pornográfico, embora aborde temática sedutora: o que nos aguarda no porvir? O livro “Plataforma” (2001), aborda o Brasil ao falar sobre prostituição, fundamentalismo e globalização. Em 2005 escreveu “Possibilidade de uma ilha”, cujo tema é clonagem e fabricação de seres pós-humanos. Na verdade, ele sustenta que a clonagem é mais humanista do que o aborto, no que não deixa de ter razão. É muito diferente pretender “criar” um humano do que “matar” um humano em formação. Em “Submissão”, enxerga a França inteiramente ocupada por muçulmanos no ano de 2022. Futuro muito próximo, portanto, já que o livro foi escrito em 2015. Ele reflete o temor dos franceses que pagam elevado preço pela colonização e que assistem a uma preocupante redução da densidade demográfica, os franceses tendo cada vez menos filhos e o Islã se apossando de Paris e de outras cidades da atraente Gália. O livro mais recente é “Serotonina”, lançado no início do ano, com tiragem inicial de 320 mil exemplares. Retrata personagens boçais com os quais todos estamos acostumados. Com o recado de que eles se tornaram legião. Hoje, a boçalidade e a mediocridade preponderam. Embora prolífico e bem sucedido como vendedor de sua obra, com a obtenção de muitos prestigiados prêmios, Michel Houellebecq não é reconhecido como autêntico intelectual francês, do time que produziu Victor Hugo, Guy de Maupassant, Alfred de Musset, Marcel Proust, Georges Sand e, mais recentemente, Jean-Paul Sartre e Simone de Beauvoir. Há quem o considere revelação das letras contemporâneas, mas outros o enxergam como manipulador de clichês desgastados e maquiados para se converterem nos seguidos bestsellers de sua fulgurante carreira. Particularmente, não nutro simpatia por ele. Talvez pelo fato de se considerar antiecologista e de se orgulhar por contribuir com a meta de destruir o planeta. Não admite limites, nem proibições. Exagera na velocidade do carro que dirige, gosta de fumar em lugares em que o fumo não é permitido. É exemplar expressivo do “é proibido proibir”, da França de 1968. Foi um dos escolhidos para o saudável projeto “Fronteiras do Pensamento”, este ano interrompido por causa da pandemia. Enfim, há gosto para tudo. Quem se habilitar, depois de ler seus livros, poderá opinar: ele é realmente um gênio ou manipulador de clichês? Renato Nalini é desembargador, reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove, palestrante e conferencista