Crenças e superstições antigas ainda geram mortes aos animais
Associados à mitos que antecedem a era medieval, há quem acredite que os gatos pretos remetem à bruxas e seus feitiços malignos, e que ao cruzar com um deles pela rua é sinal de má sorte. Outros, no entanto, o enxergam como um sobrevivente que resistiu à superstições e crenças. Para o sim, para o não, a lenda do gato preto perdura ainda hoje, transformando-os em vítimas de sacrifício e oferenda.
A questão religiosa
Há registros de superstição relacionados ao gato preto desde tempos remotos. O povo egípcio foi o primeiro a associar uma crença mística ao animal, atribuindo à sua forma física a figura de um Deus, Bast, que idolatravam. Eles consideravam a figura do gato algo sagrado e os mantinham em suas casas sob altares bem cuidados, dedicando-lhes a mais devota atenção e prestando-lhes honras . Inclusive, depois de mortos, muitos cidadãos o mumificavam.
Já na Idade Média, o “bichano” se deparou com o outro lado da moeda. Sua sorte foi desmistificada e no lugar de homenagens e admiração, atribuiu-se o conceito de má sorte. Muitas mulheres consideradas bruxas possuíam um gato preto. Reza a lenda, que as próprias bruxas transformavam-se nos bichanos. Para Marilena Cantizani, da Ong ResGatinhos (de Campinas), “essa superstição tem origem religiosa e é resquício da Inquisição. Nos dias de hoje, é alimentada pela associação com o Halloween e tudo que há de ruim, demoníaco, assustador e que dá azar. As mídias de comunicação também não ajudam, e sempre os colocam em filmes de terror como vilão, por exemplo. São coisas pequenas, mas que vão se entranhando na mente das pessoas, principalmente das crianças, e a associação está feita: gato preto = gato mau.”
Dessa forma, atribuiu-se a imagem de impureza e ruindade, já que eram associados as trevas e a magia negra. Assim, uma série de animais foram dizimados. Segundo a Agência Notícia Animal, esses gatos foram perseguidos e queimados vivos com suas donas. No entanto, há quem defenda que a superstição foi criada visando dizimar a raça, já que a havia uma devastadora quantidade de felinos na época. Foto: Divulgação. Gatos com pigmentação negra sofrem maus tratos por conta de rituais
Seja mito, crendice ou estratégia, ainda hoje associa-se aos gatos a imagem de azar. E por conta disso, muitos deles são sacrificados em rituais religiosos ou de idolatria à deuses e faraós. Para Juliana Bussab, coordenadora e uma das fundadoras da ONG Adote um Gatinho, maus tratos e a utilização de gatos pretos em sacrifícios é uma realidade. Além de receber várias denúncias, ela mesma já encontrou um felino num ritual religioso, na porta de um cemitério. “Eu passava próximo quando vi um gatinho preto que tinha sido morto, com os olhos costurados. Foi horrível.”
Marilena confirma: “Recebemos formulários diariamente de pessoas que especificam "pode ser de qualquer cor...menos preto!". Os pretinhos de praxe são os últimos a serem adotados, e temos que ser extra cuidadosas na adoção porque existem muitas pessoas que ainda hoje pegam gatos pretos pra fazer maldade: 'trabalhos', sacrifícios, etc.”
Jéssica Machado Gomieiro adotou um gato preto por acaso, ao saber da perplexidade e sofrimento perante eles. Ela relata que quando sua filha Vivian trouxe o gatinho, ele estava muito doente e cego. “A adoção deles é difícil. Os que gostam e cuidam preferem os mais clarinhos, pura superstição. Já outros os querem para sacrificá-los em rituais de magia negra. Por isso minha filha, que é estagiária de veterinário, o trouxe da feira de adoção e cuidou dele. Acabamos adotando, exatamente por medo de cair em mãos erradas”. Segundo Viviam Machado, “de 10 gatos selecionados para a feira, apenas os gatos pretos sobravam”.
Outro caso foi o da analista administrativa Mônica Novais, que já possuiu 8 gatos pretos e relata que misteriosamente, 7 deles desapareciam. Hoje possui apenas um. “ Os gatos, especialmente os machos, costumam se afastar de casa porque possuem um temperamento independente. Tem também a questão de brigas por território. Mesmo assim, no meu caso, que já tive vários e vários tipos de gatos, poucos deles fugiram. Já os pretos, todos. Agora tenho apenas o “Tigrão”.
Existe solução?
O assunto é tão sério que protetores e Ongs de modo geral não doam gatos desta cor próximo de datas religiosas, Halloween e sexta-feira 13, por exemplo. “O próprio CCZ da cidade de São Paulo não permite a doação de gatos pretos nos dias que antecedem essas datas”, afirma Marilena.
A possível solução, apesar de básica, refere-se à paralisação de doações do animal pelo menos em períodos de simbologismo, como a Semana Santa, após o carnaval. Outra medida, diz respeito à conscientização dos donos em relação a esses rituais, visando maior cuidado e precaução com seus gatos.
“Solução para o problema? Educação e informação, como para tudo. Mas, como é um comportamento que tem raízes muitas vezes religiosa, é uma coisa muito difícil de ser mudada. E como tudo que envolve educação e cultura, é um trabalho de longo prazo, não se consegue mudar crenças tão enraizadas de um dia para o outro. O ideal seria trabalhar com as crianças, conscientizando-as desde pequenas que essas superstições e crendices são bobagens, e que os gatos pretos, assim como qualquer outro gato (ou qualquer outro bicho), merecem cuidados e carinho.”