A falecida mãe de meus filhos — que, aos seus poucos 52 anos, tão rápida e imprevistamente se foi — mantinha quase que o mesmo refrão em relação a mim, seu marido. Ela insistia em dizer que, quando eu morresse, escreveria na lápide de meu túmulo: “Ele não passou vontade”. Para ela, eu fiz e vivi tudo o que eu quis. Ah! pobrezinha, com outro “doce e ledo engano”. Pois, ainda agora, vivo de mil vontades, cada vez mais faminto. E entristecido por muitas que não consegui satisfazer.Ora, sempre acreditei em que — se é para querer, desejar — se deve desejar e querer o máximo. Desejar pouco é bobagem. Não satisfaz e aumenta a vontade. Vale até para feijoada: só pode ser tolo quem comer um prato só. De uma certa maneira, penso eu, querer é sonhar. E o sonho é tanto melhor quanto menos realizável. Até hoje, por exemplo, mantenho o sonho de namorar a Caroline de Mônaco. Mas não a de agora; a de antes. Não a tive, continuo sonhando. E é uma delícia.Na verdade, o maior dos meus desejos foi — agora, nem tanto — ser deus. Não o Deus abraâmico, de judeus, cristãos e islamitas, que esse é muito complicado, ao mesmo tempo feroz e terno. Sempre sonhei em ser um deus pagão, capaz de todos os milagres divinos mas, também, de todas as delícias humanas. Eu queria ser Zeus, maravilha das maravilhas, senhor da luz, dos raios e dos relâmpagos e, além de tudo, um polígamo, com sua mulherada diferenciada. Ai, se eu fosse Zeus! O mundo seria outro: meus raios atingiriam políticos de Brasília sem dó nem piedade. E, para pedófilos, eu teria raios especialíssimos, que lhes fulminariam os genitais. E empresários corruptos, empreiteiros malandros — ah! a esses eu enviaria doenças graves, longas, com morte demorada. Sendo Zeus, eu seria mais cruel do que o Deus de Abraão, que o mandou matar o próprio filho, vê se pode tal ruindade.O que, porém, mais me incomoda — agora, que espio o final da jornada, mas recusando-me a ir — são pequenos desejos não realizados. Pequenos para as outras pessoas, mas imensos para mim. Vejam só: eu não me conformo em, até hoje, nunca ter experimentado um pacauzinho de maconha. Por que não fumei? Não sei, mas, ainda agora, fico imaginando-me tragando o cigarro bem devagarinho, vendo a fumaça ir-se e sentindo moleza de ficar abobalhado. Se não for assim, é assim que imagino. E continuo sem coragem de experimentar. Mas com vontade de dar água na boca.E furtar? Como é possível eu, até hoje, nunca ter furtado ou roubado nada de ninguém? Acho que não vale — pelo menos em meus ardentes desejos — eu ter roubado frutas em quintal de vizinhos, na infância na qual tudo era “risonho e franco”. E nem valeu — ainda que eu tenha saudade — roubar rosas em jardins alheios para, nas serestas apaixonadas, deixá-las na janela da namorada.Sim, fui ladrão de rosas e de jabuticabas. Mas isso não me satisfaz o desejo. Pois o que eu queria, mesmo, era furtar nem que fosse uma pera num supermercado, um livro numa livraria. A vontade é tanta que eu tenho pensado até em combinar com um verdureiro: “Olha aqui. Eu furto uma banana, você finge que não vê e, depois, eu devolvo”. Mas nem isso eu fiz.Minha mulher, mãe de meus filhos, dizer que nunca passei vontade — que coisa mais absurda! Eu, até hoje, quase morro de vontade de ter uma cachorra como a Lassie, com aquele porte majestoso, olhar carinhoso, pelos mais belos do que os cabelos da Giselle Bündchen. E o cavalo do Zorro, o Silver com quem sonho até hoje? Pouco me importa se se discute que havia dois Zorros e, portanto, dois cavalos. Eu queria o prateado, o Silver, meu, somente meu. E eu sairia pelo centro da cidade gritando: “Aiôô, Silver!”. É uma vontade que se não realizou. Um desejo que continuo tentando sublimar. E que, portanto, faz mal.E o Fusca, meu Fusca que estou proibido de comprar? A vida é cruel. Até poucos anos, eu é que dava ordens a meus filhos. Agora, são eles que mandam em mim, como se eu fosse marionete. Eu quero um Fusca, amo o Fusca, desejo comprar um Fusca, por mais antigo seja, por mais estropiado esteja. Contando que ande, sonho com meu Fusca. Mas meus filhos ficam irritados se eu toco no assunto: “E isso é coisa de se querer?” Fico com a impressão de que, se insistir, eles me internarão numa casa de velhinhos. Então, fico imaginando-me à direção de meu Fusca, como aquele primeiro que eu tive, um fusquinha branco, o carro mais lindo do mundo. E me dá vontade de chorar, pois, com a imagem do Fusca, vejo Roberto Carlos, Vanderleia, Erasmo, Jerry Adriani e eu, com cabelos compridos e sentindo-me rei do mundo. Com um Fusca, eu sei que seria Zeus.E, então, estaria confirmada minha certeza: mais do que ter, é preciso sonhar. Quem tem perde. Quem sonha tem sempre.