complexo de cinderela

Filhas tratadas como princesas

Ela é linda, magra, tem cabelos longos e viverá feliz ao lado de seu príncipe encantado pelo resto da vida

Daniela Nucci
11/10/2018 às 14:37.
Atualizado em 06/04/2022 às 16:38

"Querer que uma filha se comporte como um princesa, hipoteticamente nos remete a ter uma vida mais tranquila . Porém, isso é uma falsa ideia de vida feliz" Debora Corigliano, neuropsicopedagoga Ela é linda, magra, tem cabelos longos e viverá feliz ao lado de seu príncipe encantado pelo resto da vida. Esse é um dos modelos clássicos de princesas dos contos de fadas, com belas mocinhas retratadas como jovens frágeis, cuja felicidade está sempre nas mãos de terceiros. Normalmente, muitos pais querem criar suas filhas como verdadeiras princesas, mas essa é uma situação pra se pensar. “Acredito que pais e mães projetam em seus filhos alguns desejos não realizados em suas vidas. Ter a filha como princesa remete à proteção, perfeição e beleza entre outras qualidades. “Querer que uma filha se comporte como um princesa, hipoteticamente nos remete a ter uma vida mais tranquila . Porém, isso é uma falsa ideia de vida feliz”, diz Debora Corigliano, neuropsicipedagoga do Instituto Brasileiro de Formação de Educadores (IBFE), Escola de Educação da Unità Faculdade. Segundo ela, com esse tipo de comportamento dos pais, essas crianças, no futuro, com certeza terão um choque de realidade, com a possibilidade de desenvolver o complexo de cinderela, síndrome que se caracteriza pelo medo que as mulheres têm da independência e o desejo inconsciente de serem protegidas ou cuidadas a todo momento. “Por esse motivo é muito importante trazer a realidade para a criança de forma natural em cada fase da vida. Para que ela não sofra na adolescência e na vida adulta”, ressalta Debora. Em muitos casos, esse tipo de situação se deve ao comportamento da mãe querer transferir seu desejo para a filha. “Não vejo como frustração dela, entendo que muitas vezes a mãe quer que a filha não sofra e acaba por idealizar uma falsa felicidade. Pensando que ser, agir e pensar como princesa a tornará feliz”, comenta a especialista, que acredita que existe uma fase que as crianças precisam viver a fantasia do conto de fadas. “É importante para o crescimento emocional viver o conto de fadas, a fantasia e a imaginação. O que não é saudável é permanecer nesta fase estando com idade cronológica de outra fase”, pontua. Questionada sobre a existência de um curso de desprincesamento para meninas entre 9 e 15 anos na cidade chilena Iquiaque, que ensina valores de bravura, autodefesa e autoestima, e na contramão, no Brasil, em Uberlândia, Minas Gerais, haver uma Escola de Princesas, que ensina etiqueta, culinária e organização de casa só para meninas de 4 anos a 15 anos, a neuropsicipedagoga diz não gostar das extremidades , e pensa que toda postura 100% radical é prejudicial para o desenvolvimento da criança e do adolescente. “Ter uma instituição que provoque um comportamento ou outro , tira da criança a oportunidade de vivenciar outras experiências. Acredito que os pais devam dar oportunidades para que seus filhos vivam experiências nas diversas fases da vida. Sim, deve-se dar a oportunidade da criança viver o momento da fantasia, de ser princesa, e também de viver o brincar de forma livre , prazerosa e com escolhas próprias”, completa a profissional. Para a especialista de comunicação e marketings, Priscila Helena Pessôa Domingues , que tem a bela Ana Beatriz, de 6 anos, é claro que os pais desejam que a filha tenha uma vida feliz como nos contos de fadas, onde encontram um príncipe encantado para viverem em um castelo. “Mas, no dia a dia, sabemos que a vida não é tão fácil assim e que a nossa história é construída desde pequenos com nossa orientação, exemplos e, por muitas vezes, rigidez e freio em algumas situações. Orientamos a ela a importância do estudo e a conquista do primeiro emprego. Incentivamos a amar cada parte do seu corpinho, pois é um templo sagrado. Com atitudes mostramos que a vaidade faz parte da vida das meninas, mas que em excesso e prejudicial, afinal das contas, ela é uma criança. Tem que viver como criança, as fases de uma criança como brincar descalça, não precisa sair de casa parecendo uma bonequinha. Tem que amar seus cabelos ondulados, armados que são lindos. Se a roupa não estiver combinando, mas ela gosta, não tem problema em usar. Nosso papel é orientar, amar incondicionalmente e colocar limites”, completa Priscila, ao lado da filha Ana Beatriz, que é cheia de atitude e, apesar de gostar das princesas da Disney, sempre mostrou personalidade e atitude. “A Ana veste o que ela se sente bem e, às vezes, usa vestidos e acessórios que não combinam, mas ela acha que está bom e usa mesmo assim. Não se incomoda se as amiguinhas vão falar alguma coisa. Essa história de ficar perfeita como a Cinderela é coisa do passado”, completa a mãezona. Complexo de Cinderela O chamado Complexo de Cinderela é um termo criado pela psicóloga norte-americana Colette Dowling para o comportamento de mulheres que têm como grande sonho encontrar o homem ideal, se casar e assim finalmente serem felizes, como nos antigos contos de fadas. "A Disney investe em perfil de feminilidade menos passivo e contemplativo, devido à mudança de mercado, para atingir um público maior, atualizar as personagens e as mudanças na sociedade" Michele Escoura, antropóloga Influência na vida das meninas Para questionar o papel das princesas de contos de fadas na formação do que é felicidade na vida das crianças, a antropóloga Michele Escoura fez uma pesquisa que analisou a influência das princesas da Disney na vida das meninas, defendida na Universidade de São Paulo (USP) e financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em 2013. Durante o estudo, Michele observou o comportamento de 200 crianças, de aproximadamente cinco anos, de três escolas, sendo duas públicas e uma delas particular, no interior de São Paulo. Foram analisadas as brincadeiras, os tipos de produtos com essas personagens, e análises a partir dos filmes como da Cinderela, da década de 50, e Mulan, do final dos anos 90. No fim da sessão, foi realizada uma roda de discussão com as crianças. “Muitas delas não percebiam a Mulan como princesa porque não tinha um vestido bonito. Quando pedi para elas desenharem a parte que tinham mais gostado, uma delas desenhou a Mulan com cabelos loiros”, disse Michele. A antropóloga chegou à conclusão que as crianças, independentemente do sexo, tomam as princesas como um importante referencial de feminilidade, que reforça estereótipos recorrentes socialmente sobre o que é ser uma mulher ideal. “Os pais devem ficar atentos a tudo que as crianças fazem e mostrar o maior número de possibilidades de ser mulher. A beleza não deve ser a grande prioridade na vida. Ter felicidade não é sair por ai comprando tudo e aceitar tudo dentro de um relacionamento”, explica a pesquisadora. De acordo com Michele, a própria Disney acompanha as mudanças do mercado e sociedade. “A Disney investe em perfil de feminilidade menos passivo e contemplativo, devido à mudança de mercado, para atingir um público maior, atualizar as personagens e as mudanças na sociedade. Antes, a Cinderela era salva pelas pessoas, já a Mulan é antenada, heroína e quem salva todo mundo. A Disney aprofundou um pouco e teve a princesa Valente, que é a construção de uma heroína ativa, que produz o próprio salvamento, não precisa ser salva”, comenta Michele. Empoderamento das princesas da Disney (1937) Branca de Neve Primeiro longa da Disney mostra a princesa pura e submissa que obedece a madrasta malvada que se disfarça de bruxa e dá a maçã envenenada. No fim, é salva pelo beijo de amor do príncipe. (1950) Cinderela Maltratada pela madrasta, Cinderela e recebe a ajuda da Fada Madrinha que a produz com lindo vestido para o baile da corte, onde encanta o príncipe. Pra variar, ela só é feliz porque ele vai atrás dela para calçar o sapatinho de cristal. (1959) Aurora, A Bela Adormecida A princesa conhece o príncipe enquanto canta e é salva graças ao beijo amado do belo, que a despertou do sono eterno quando foi condenada pela bruxa Malévola. (1989) Ariel, a Pequena Sereia Ingênua e sonhadora, a sereia Ariel faz um pacto com a vilã Úrsula para dar sua voz em troca de virar humana e conquistar o príncipe Eric. Aqui, Ariel já é mais ativa e luta pelo seu amor e consegue conquistá-lo. (1991) Bela, A Bela e a Fera Mais rebelde, ela se recusa a casar com o machista e fanfarrão Gaston. É mantida em cativeiro pela Fera, não se desdobra aos caprichos do monstro e se mostra independente. Eles se apaixonam e, no fim, ele volta a ser humano. (1992) Jasmine, Alladin Jasmine não gosta de sua vida burguesa e foge do seu palácio. É assediada pelo vilão, mas não dá bola para ele. No final, fica com seu amado. (1996) Pocahontas Apesar de Pocahontas não se casar ou pertencer a qualquer monarquia como as outras princesas da Disney, ela é incluída como princesa por ser filha de um chefe nativo-indígena. É a primeira princesa da Disney americana, além de também ter dois interesses amorosos. No entanto, a maioria das mídias da franquia Disney Princesas inclui John Smith e Pocahontas como casal oficial, ignorando completamente John Rolfe, que é seu par amoroso no segundo filme. (1998) Mulan No filme Mulan, a princesa Mulan é uma heroína que se disfarça de homem para lutar na guerra no lugar de seu pai. No fim, como guerreira vitoriosa, é admirada pelo seu amado. (2009) Tiana, A Princesa e o Sapo Tiana é a primeira princesa negra da Disney que sonha em abrir um restaurante. Chega até virar rã ao lado do príncipe, mas volta a ser humana e acaba junto com o amado. (2011) Rapunzel- Enrolados Adaptação do conto de fadas de Rapunzel, que já mostra uma mudança de comportamento feminino, pois a fuga da princesa da torre é movida por um desejo além do âmbito casamento. (2012) Merida, Valente A princesa odeia as obrigações reais, cobrado pela mãe. Não é de manter os fios bem alinhados, não se interessa por vestidos apertados e muito menos possíveis pretendentes. Na trama, descobre que tem que se casar, com ordem dada pela mãe, e procura uma bruxa para fazer um feitiço para mudar o jeito da rainha e, claro, seu destino. Mas não é isso que acontece e a ruivinha luta para desfazer a maldição. (2013) Anna, Frozen- Uma Aventura Congelante Anna tem mega poder de criar gelo, geada e neve. Chega a provocar confusões com sua irmã Anna e todo reino, mas tem uma forte atitude, como todas as atuais princesas da Disney. (2017) Moana: Um Mar de Aventuras A mais recente princesa da Disney é curiosa, determinada e independente. Longe de ser uma donzela em perigo, Moana se encaixa bem para as meninas de hoje, inspirando-as a serem cada vez mais fortes .

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