Festival Hercule Florence reúne grandes nomes da fotografia nacional na Unicamp e Estação Cultura; idealizador do evento conversa com a Metrópole sobre a importância da imagem
"Com certeza a imagem está tomando cada vez mais espaço dentro do nosso cotidiano. Não só para os profissionais da imagem como para as pessoas em geral", Ricardo Lima (Divulgação)
Exposições, fóruns, performances, intervenções urbanas, ações performáticas, lançamentos editoriais e grupos de trabalho coletivo são algumas das atividades que integram a 10ª edição do Festival Hercule Florence, que começou em 19 deste mês e termina neste domingo em Campinas com as principais atividades desenvolvidas na Unicamp e na Estação Cultura. Contemplado no Programa de Ação Cultural (ProAc) de 2016, o festival reúne nomes de peso da fotografia de Campinas e do Brasil, como Miguel Chikaoka, Dirceu Maués, Cássio Vasconcelos, Érico Hiler, Ricardo Hantzschel, Fabiana Bruno e João Kulcsar para discutir os rumos da fotografia na atualidade, o uso da tecnologia na imagem e as práticas editorias. Nos 10 anos de festival foram realizadas 40 oficinas. Mais de 80 fotógrafos brasileiros e estrangeiros participaram do evento. Mais de 60 exposições estiveram em cartaz e 120 mil pessoas participaram ao longo dos anos. “Lembro que quando criei o festival, minha ideia era apenas mexer com a fotografia na cidade. Hoje em dia, dezenas de fotógrafos são nossos parceiros. Temos parceria da Canon, da Canson, da Unicamp e apoio do Governo do Estado, através do ProAc. O festival colocou a fotografia em pauta e a cada ano temos novas discussões da imagem como linguagem. Acho interessante esse aspecto do festival, que além de tornar a imagem mais acessível ao conhecimento, discute o que está acontecendo na atualidade”, ressalta Ricardo Lima, o idealizador do festival. Ele é jornalista formado pela PUC-Campinas e atua, desde 1995, como repórter fotográfico. Metrópole - Você definiria a imagem como uma ferramenta propulsora de cultura e cidadania? Por quê? Ricardo Lima - Com certeza a imagem está tomando cada vez mais espaço dentro do nosso cotidiano. Não só para os profissionais da imagem como para as pessoas em geral. Muitas vezes estamos enviando imagens como respostas no nosso dia a dia, principalmente nas redes sociais. Atualmente, a imagem está se tornando uma ferramenta comum de comunicação. E o telefone celular é uma câmera à mão, então cada vez mais estamos clicando e enviando fotos para responder perguntas, contar fatos e realizar denúncias. O celular veio para ficar e, com ele, as imagens que podemos fazer do nosso cotidiano, que tem uma ligação direta com a nossa cultura e nosso papel como cidadão. Como definir um bom fotógrafo? Quais as suas principais características? Um bom fotógrafo antevê a fotografia. Muitas vezes ele tem que passar desapercebido pelos lugares. E é necessário trabalhar o conceito antes de fazer a foto. Uma imagem só é boa quando tem um conceito por detrás. As fotos contam histórias. É importante entender o contexto a ser registrado, conversar com o seu personagem. Somente assim você vai captar a essência do que está sendo clicado. Com certeza, uma ou outra vez você pode pegar uma foto boa e falar que sem querer saiu essa foto, mas a maioria das fotos não sai sem querer. Você anteviu a imagem. Você vai preparado para registrar aquilo. Por exemplo, num jogo de futebol, você tem que estar com a lente certa, a câmera em uma velocidade alta, a fotometragem certa. E daí sim você pode pegar um lance que você não esperava. Mas você já estava preparado para aquele contexto. O acaso é exceção. Acha que o foto feita pelo celular causou um estresse na profissão? Hoje todos se sentem profissionais da imagem com um simples celular na mão. Não acredito nisso porque a foto não é só o clique. O que define uma boa foto é o conceito por trás da imagem. O telefone celular é uma ferramenta, mas o que define uma boa imagem não é só o filtro que você coloca nela. É o mesmo com uma câmera. Você não se torna um fotógrafo porque comprou uma câmera. Você compra uma câmera e num final de semana faz cinco mil fotos. Mas quando você vai ver, cinco ou seis são boas. Ou não tem nenhuma realmente boa. A fotografia digital sim balançou a profissão. Antigamente, quando comecei a fotografar, saía da redação com três filmes de 36 poses para o dia todo. E eu tinha que me virar com isso para todas as pautas do dia. Tinha que saber dividir entre as minhas pautas. Quando entra a digital e isso acaba, as pessoas começam a fotografar como loucas e acabam fazendo muitas fotos iguais, aleatórias e sem conceito. Hoje também a pessoa fotografa, vê na hora. Antigamente, era só no laboratório e você tinha que ter a certeza de que a imagem era aquela. Quais os seus profissionais preferidos? Estou muito ligado à fotografia de rua. Então gosto muito da Vivian Maier, William Klein, Martin Parr. Gosto muito de fotógrafos brasileiros contemporâneos. Adoro o trabalho do francês JR, é um trabalho em quem eu me espelho hoje para fazer o meu trabalho. Mas as pessoas que vieram nesta edição do festival e nas anteriores são os principais da fotografia atual e estão fazendo a fotografia do Brasil muito bem feita. Miguel Chikaoka, Cássio Vasconcelos, Renato Stokler, Dirceu Maués estão aqui agora e estão nos dando um feedback muito forte trazendo imagens, conceitos e reflexões muito intensos sobre a fotografia atual. O que acha das selfies? Selfie é engraçado. Já existe há um tempo, não é de hoje. Mas, se a gente parar para pensar, ela é o autorretrato que sempre existiu. Mas é que agora, com o celular, ficou proliferada e se perdeu essa noção da selfie: tem gente que vai a um show e ao invés de assistir fica fazendo foto de si mesma. É legal, mas tem o seu momento e o seu lugar para fazer sentido. Qual a importância do Festival Hercules Florence? Em primeiro lugar, acredito que o festival conseguiu levantar a bandeira do Hercule Florence como uma pessoa importantíssima na história de Campinas e da fotografia mundial. Agora, ele tem 10 anos, está mais vivo do que nunca. Neste ano ganhamos parceria da Unicamp e do governo do Estado por meio do ProAc (Programa de Ação Cultural) e quem está vendo o cenário percebe o envolvimento de vários profissionais da foto tanto de Campinas como nacional. Caravanas de pessoas dos outros festivais nacionais de fotografia vieram para cá nesta edição. Discutimos temas muito pertinentes no fórum realizado na Unicamp nos dois primeiros dias e ganhamos muita força. O festival sempre resgata o fato de não deixarmos o processo fotográfico se perder. Como a foto era feita. A fotografia precisa de tempo. Às vezes, para fazer a foto que você quer, tem que esperar as coisas acontecerem: o sol se por, o seu personagem ideal chegar, a luz certa. Dá para viver de fotografia no Brasil? Pergunto pelo fato de ver, hoje, muitos profissionais com pouco trabalho, especialmente depois dessa invasão na carreira de outros menos preparados. Dá para viver sim. Mas é que tem muita gente no mercado. E as pessoas precisam separar o joio do trigo. Tem muita gente que está fotografando por um preço muito baixo, acabando com o mercado. E para você viver de fotografia é necessário que você acredite no seu valor. Antigamente, as pessoas nos contratavam para fotografar eventos. Agora, o sobrinho, a mãe, a tia fazem as fotos. Mas o mercado fotográfico ganhou nichos: do new born, do casamento, da formatura, de evento, corporativa, jornalismo (que está cada vez menor, mas existe!). O que de importante se discutiu neste ano no festival? Neste ano, uma das principais mesas de debates na Unicamp foi Visibilidade e Visualidade. Essa profusão de fotos sendo colocadas em todos os lugares devem ser analisadas com a visibilidade e a visualidade. A partir dessa mesa a gente já vai começar a pensar no festival do ano que vem. Também é importante o que não pode ser explicado com palavras. Essa imensa exposição a céu aberto na 13 de Maio, com imagens dos personagens daquela que é a principal rua de pedestres da cidade, vai mexer com a população porque eles se verão retratados ali. Neste domingo, dia 23, toda a fachada da Estação Cultura vai ganhar lambe-lambes com as imagens realizadas pelas oficinas nos dias de festival. O que de mais importante vamos entregar para a cidade é o valor de Campinas na história da fotografia; a emoção que nos toca quando vemos uma imagem e quando nos vemos nela.