JOSÉ ERNESTO

Faturar é o que importa

José Ernesto dos Santos
11/03/2013 às 21:30.
Atualizado em 26/04/2022 às 01:29

Cinismo, falsidade e tendenciosidade são a marca das discussões sobre o assassinato de um garoto de 14 anos provocado por um sinalizador durante uma partida de futebol na Bolívia. Nos últimos anos a torcida que se auto intitula “bando de loucos” (e quem sou eu para desmenti-los) mereceu manchetes e elogios da grande imprensa e dos dirigentes de futebol. Esses elogios são muitas vezes mentirosos e exagerados. Um exemplo disso foi o numero anunciado de torcedores que foram assistir aos jogos do Campeonato Mundial no Japão.

O consulado japonês concedeu número muito menor de vistos para entrada no País do que o noticiado por jornais e canais de televisão. A pergunta inevitável e esquecida: o que podemos esperar de um “bando de loucos”? Com todo respeito que os doentes assim classificados merecem, nos bons dicionários da língua portuguesa, louco é pessoa que perde a razão, alienado, doido, maluco, insensato, furioso, alucinado. Convenhamos não ser nada tranquilo e seguro estar em um estádio de futebol tendo como companhia um bando com esse perfil de comportamento.

O curioso é que os meios de comunicação sempre deram destaque a esse bando e às suas ações. O mesmo é feito, em menor grau, a outros bandos que às vezes têm comportamento similar. Basta você ficar próximo de um estádio de futebol, hoje se fala arena, quando esses bandos chegam para ver seus times, para sentir que se tornou arriscado frequentar o mesmo ambiente. Mas isso pouco importa. O essencial é a audiência e a venda de jornais que eles provocam.

O incidente é objeto de discussão por dezenas dos “seminários sobre futebol” que ocupam os horários nobres dos canais de televisão e as paginas de jornais. Juristas são convidados para analisar a jurisprudência do caso. Estamos nos tornando especialistas em direito internacional. Diversas equipes de jornalistas estão de prontidão na cidade de Oruro dando cobertura ao fato. No sistema econômico vigente, tudo isso gera audiência e leitores, o que é traduzido como faturamento. Os jornais vendem e os canais de televisão tem audiência.

Os dirigentes podem fazer declarações populistas e conseguir alguns votos nas próximas eleições. A grande surpresa foi a diretoria do “bando de loucos” apresentar à Justiça o suposto autor do disparo e (pasmem) o advogado de defesa, contratado pelo grupo, jurar que seu cliente é culpado. O País da piada pronta!

Outro aspecto que merece ser assinalado é que, com as dificuldades de ganhar dinheiro para sobreviver, com inflação em alta, pessoas que aparentemente não são empresários ou investidores do mercado de capitais podem viajar para a Bolívia e perder cinco ou seis dias de trabalho. Consultando pela internet o preço de uma passagem para La Paz (sem contar Oruro!) verifiquei que ela custa não menos de R$ 800. Somando-se a gastos com comida e estadia, uma excursão dessas deve custar no mínimo R$ 1.500.

O salário mínimo é de $678! Onde eles conseguem dinheiro e tempo para exercerem o emprego em tempo integral de “bando de loucos”? Minha hipótese, e não acusação, é que parte desse bando seja financiada por diretores, que com seus interesses políticos conseguem apoio em eleições do clube, do município ou do Estado. Mas pouco importa, toda essa movimentação gera faturamento e lucro em nosso sistema econômico cruel. É o que importa!

Não se surpreendam se esses prisioneiros forem recebidos em breve como heróis injustiçados e desfilarem pelas ruas de São Paulo com bateria de escola de samba e, é claro... com fogos de artifício. A tristeza e o sofrimento ficam para a família do garoto assassinado, o lucro para as grandes corporações de comunicação e as declarações demagógicas para os candidatos de plantão.

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