SOBRECARGA

Falta de profissionais afeta perícia policial em Campinas

Instituto de Criminalística possui 20 funcionários a menos do que em 2017, quando eram 65; relatos ouvidos pela reportagem indicam demora de até oito meses para periciar um celular

Alenita Ramirez/[email protected]
22/06/2025 às 12:56.
Atualizado em 22/06/2025 às 16:07
Os peritos de SP recbem mais de 50% das requisições de análises feitas no país; sindicato aponta que a falta de peritos é um problema de anos (Rodrigo Zanotto)

Os peritos de SP recbem mais de 50% das requisições de análises feitas no país; sindicato aponta que a falta de peritos é um problema de anos (Rodrigo Zanotto)

Uma perícia de um celular apreendido pela Polícia Civil de Campinas para verificar informações sobre crimes pode demorar até oito meses, segundo relatos de policiais civis ouvidos pelo Correio Popular e do Sindicato dos Peritos Criminais do Estado de São Paulo (Sinpcresp). A demora na conclusão não é apenas no Instituto de Criminalística (IC) da cidade, mas em todo o Estado de São Paulo, e se deve à falta de funcionários e de equipamentos. De acordo com um diretor do Sinpcresp, cujo nome foi preservado, em 2017 Campinas contava com 65 peritos, número que caiu para 45 atualmente, redução de 30,77%.

Desses 45, há pelo menos sete peritos no núcleo de informática para atender, além de Campinas, os municípios correlatos, que seriam Valinhos, Vinhedo, Indaiatuba e Paulínia. Para esses municípios, as perícias feitas também envolvem drogas, armas brancas e de fogo e outros objetos apreendidos.

A falta de peritos se agrava ainda mais quando a análise é feita em dispositivos eletrônicos e mídias digitais para auxiliar na investigação criminal. Isso inclui a análise de computadores, celulares, tablets, pen drives, HD externos e outros dispositivos, bem como recuperação e análise de dados, como mensagens, arquivos, fotos e vídeos. O IC de Campinas conta com o Cellebrite - um software avançado que auxilia na extração e análise de dados em dispositivos móveis. É a única seccional do Departamento de Polícia Judiciária do Interior 2 (Deinter-2) que possui o equipamento, o que leva o IC de Campinas a atender as 38 cidades que fazem parte do Deinter-2.

De acordo com os policiais civis, a redução do tempo para a conclusão de laudos acontece somente quando o caso é de repercussão, ocasião em que a delegacia precisa dar um retorno com urgência à sociedade. Nesses casos, a análise dos objetos apreendidos é agilizada. "Geralmente um laudo é para ser concluído em até um mês, mas isso não acontece. Demora muito, mas quando é prioridade os peritos tentam agilizar", disse um escrivão, que optou por não se identificar, que trabalha em uma delegacia de Campinas.

Segundo o presidente do sindicato, Bruno Lazzari, a falta de funcionários no IC perdura há anos e se agrava cada vez mais devido a aposentadorias e afastamentos. Segundo o sindicalista, o estado deveria ter 1.735 peritos policiais no quadro do IC, mas atualmente existem 1.318. "A falta de peritos se reflete principalmente no Núcleo de Informática. Hoje nós temos aí uma falta de pelo menos 300 a 400 peritos com base no número de vagas oficiais, de forma que não há perito suficiente para dar conta da demanda de casos que entram para serem atendidos", disse Lazzari.

De acordo com sindicalista, os peritos de São Paulo recebem mais de 50% das requisições de exames feitas em todo o país. Em números, esse percentual representa aproximadamente cerca de um milhão de laudos por ano. O segundo estado que mais produz laudos periciais é Minas Gerais, com 400 mil. O terceiro é o Rio Grande do Sul, com cerca de 190 mil. "É muito grande a demanda, e a quantidade de profissionais é insuficiente. Como não teve nenhum concurso, nenhum perito foi chamado do início do ano até agora, sem contar que desde janeiro pelo menos uns 30 ou 40 peritos se aposentaram", pontuou o sindicalista.

O Defasômetro do Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo (Sindpesp) mostra que a maior defasagem no IC é de peritos policiais, com 391 agentes a menos conforme os números apresentados. Depois, aparece a profissão de médico-legista, com déficit de 381 especialistas. O fotógrafo técnico pericial também está com falta de 312 profissionais. Segundo Lazarri, a consequência é que muitas das vezes o perito policial precisa também fotografar as ocorrências. "A falta de profissionais gera sobrecarga de trabalho. Consequentemente, isso gera licença médica, sem contar que impacta e aumenta a demora na conclusão de laudos", frisou o sindicalista.

Entre janeiro a abril deste ano, a Polícia Civil de Campinas já abriu 2.543 inquéritos. Em todo 2024 foram 7.662. Grande parte das investigações envolve a apreensão de celulares e mídias para análise de conversas entre o preso e pessoas que possam estar envolvidas no crime em questão. Geralmente, a cada prisão há a apreensão de mais de um aparelho celular. Os crimes vão desde tráfico de drogas a homicídios. "Telefone celular, computador, qualquer tipo de equipamento eletrônico que tem algum dado a ser extraído... É difícil estimar um tempo para soltar um laudo, mas, pela lei, o perito tem dez dias para soltar o laudo. No entanto, é impossível o perito conseguir fazer isso em São Paulo. Eu diria que alguns exames demoram um, dois, três, quatro, cinco, até seis meses para serem liberados. Isso atrasa um processo, uma investigação. Eu reitero o seguinte: não é que o Instituto Criminalístico não faz o que deveria, é que ele não tem condições de fazer, não tem pessoal suficiente", destacou Lazarri.

No final do mês passado, o Sindpcresp enviou um ofício à Superintendência da Polícia Técnico-Científica (SPTC) sobre "graves denúncias" que recebeu sobre problemas estruturais no Núcleo de Perícias em Informática (NPI) de São Paulo. O documento expõe principalmente a sobrecarga de trabalho dos peritos e questionamentos sobre a interpretação da legislação referente à custódia de peças a serem periciadas. Nesse caso, a falta é de uma Central de Custódia para guardar vestígios e objetos apreendidos em flagrantes e durante as investigações.

De acordo com denúncias recebidas pelo Sindicato, cada perito do NPI recebe mensalmente aproximadamente 38 peças para análise, quase o dobro da capacidade operacional considerada viável, estimada em 20 peças por mês. Esses itens acabam ou ficando nos armários dos peritos ou nas delegacias até que o inquérito seja concluído e enviado à Justiça.

EQUIPAMENTOS

Em Campinas, a reportagem apurou que ante a implantação da Muralha Digital nas cidades, o setor de Informática do Núcleo de Perícias Criminalísticas do IC Campinas recebia uma média de até 50 peças por mês. Com a implantação de câmeras de seguranças em todos os municípios e as operações contra crimes de exploração sexual infantojuvenil, o número de celulares e mídias apreendidas mais que triplicou. "Precisaria do dobro de peritos e de equipamentos para fazer os laudos dentro do prazo estabelecido na lei", disse um agente da polícia civil.

O IC em Campinas conta com dois Cellebrites. Cada celular analisado demora ao menos 12 horas para ter todos os dados extraídos. Além dessa ferramenta, os agentes também destacaram a falta de computador workstation e de software para armazenamento em nuvem de laudos.

OUTRO LADO

Em nota, a Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que, entre as medidas adotadas, está o reajuste salarial concedido no primeiro ano de mandato, com aumento médio de 20,2% para todas as carreiras, o que beneficiou mais de 100 mil profissionais das polícias Civil, Militar e TécnicoCientífica, incluindo aposentados e pensionistas.

Ainda segundo a Pasta, em 2024, foi realizada a maior contratação de efetivo dos últimos 14 anos, com a incorporação de mais de 7,8 mil novos agentes de segurança pública. Para a Polícia Civil, segundo a SSP, foram nomeados mais de quatro mil policiais. "Os novos profissionais foram distribuídos por todo o Estado de São Paulo, reforçando o efetivo local e contribuindo para o aprimoramento das atividades de investigação, policiamento e perícia."

De acordo com a SSP, está prevista para até o final deste mês a nomeação de novos peritos e médicos-legistas para "reforçar o compromisso da gestão em propiciar melhores condições de trabalho aos profissionais, bem como propiciar melhor atendimento à população".

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