PASQUALE CIPRO NETO

'Este' e 'esse'

O que vamos ver aqui diz respeito essencialmente ao padrão formal, sobretudo na língua escrita

Pasquale Cipro Neto
correiopontocom@rac.com.br
23/06/2016 às 22:12.
Atualizado em 22/04/2022 às 23:49

Muita gente me pede que troque dois dedos de prosa sobre duas palavrinhas parecidas na grafia e na pronúncia (“este” e “esse” e, é claro, “esta” e “essa”, “isto” e “isso”), mas diferentes no valor e no emprego. Antes lembro que, na fala, sobretudo na linguagem familiar, espontânea, informal, é muito difícil diferenciar “este” de “esse”; quase sempre dizemos “esse”, mesmo em casos em que formalmente seria claro o emprego de “este”. O que vamos ver aqui diz respeito essencialmente ao padrão formal, sobretudo na língua escrita. Posto isso, vamos lá. Começaremos pelos casos mais elementares, básicos. Suponha que queira referir-se às suas próprias mãos, mas não queira empregar possessivos, ou seja, não queira dizer ou escrever “minhas mãos”. O que você empregaria: “estas mãos” ou “essas mãos”? E se quisesse referir-se às mãos da pessoa com a qual estivesse conversando? O que empregaria: “essas mãos” ou “estas mãos”? Já sabe a resposta? Bem, quem se refere a algo que tem nas próprias mãos, no corpo ou que está perto de si emprega “este”, “esta”, “isto”: “Construí tudo com estas mãos”; “Já usei muito esta camisa”; “Gosto deste CD”; “Esta cidade é imunda”; “Este país poderia ser menos corrupto e mais organizado”. Releia cada um dos cinco exemplos do parágrafo anterior. De quem são as mãos citadas na primeira frase? Certamente são do emissor das frases. A camisa estava no corpo, nas mãos ou perto da pessoa do emissor, o CD estava nas mãos ou perto do emissor. A esta altura, é desnecessário dizer que a pessoa que disse a quarta frase está na cidade imunda e que o emissor da quinta frase está no país que poderia ser menos corrupto e mais organizado. É sempre bom lembrar que “este” é um pronome demonstrativo. Nos exemplos que vimos, o pronome “este” indica que os elementos apontados (“mãos”, “camisa”, “CD”, “cidade” e “país”, respectivamente) estão perto de quem fala. Agora, suponha que eu e você nos encontremos pela rua. Você carrega um jornal e eu lhe pergunto se já o leu. Como eu faria a pergunta, se resolvesse levar em conta estritamente o que ocorre no padrão formal da língua? “Você já leu esse jornal?” ou “Você já leu este jornal?” Lembre-se de que o jornal estaria com você. Já pensou? Pois bem, para falar do que está com a pessoa com quem se fala ou perto dela, usa-se “esse”: “Você já leu esse jornal?”; “Esse paletó fica muito bem em você”; “Como você aguenta viver nessa casa?”. Pense um pouco no último exemplo. Pensou? No padrão formal da língua, em que situação poderia ser dita ou escrita essa frase? É simples: num telefonema, numa carta, num e-mail. Na frase “Como você aguenta viver nessa casa?”, quem fala ou escreve se refere à casa em que mora a pessoa com a qual conversa ou à qual envia a mensagem. Entendeu? É óbvio que o que vale para “este/esta” e “esse/essa” vale para “isto” e “isso”. Quem se refere ao que está nas mãos ou perto do seu interlocutor empregará “isso”: “O que será isso que você tem nas mãos?”; “O que deu em você de colocar isso no cabelo?”. Se a referência é ao que tem nas mãos ou está perto de si, o emissor empregará “isto”: “Sabe o que é isto?”; “Pensei muito antes de resolver colocar isto no cabelo”. Sabe uma das frases que a deputada Tia Eron disse dia desses na Comissão de Ética da Câmara (não resisto à tentação de mandar um “rarará” quando falam dessa comissão...)? Lá vai: “Ninguém manda nessa nega aqui”. No padrão formal da língua, a construção adequada seria “Ninguém manda nesta nega aqui”. Bem, o fato é que, com “nesta” ou com “nessa”, o que importa é que Tia Eron votou pela aprovação do texto do relator, que pedia a cassação do virginal deputado Eduardo Cunha. E via Tia Eron! A história continua na semana que vem.

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