GUSTAVO GUMIERO

Estação solidão

01/06/2013 às 05:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 14:02

Caro leitor, os trens, os bondes, os meios de transporte público em geral, quando foram inventados, provocaram uma revolução em todos os sentidos. Talvez pela primeira vez na história, as pessoas passariam a se olhar por um certo período de tempo sem se cumprimentar. Consequência da industrialização e da urbanização, que juntas provocaram novas necessidades, esse fato acarretou em mudanças profundas na comunicação humana. A partir de então, já não havia mais a obrigatoriedade moral de cumprimentar o próximo, de se importar com ele, pois eram tantos ao redor, e muitos desconhecidos. Por outro lado, os trens possibilitaram ao homem viajar pelas paisagens naturais; propiciaram termos um tempo para nós mesmos, para refletirmos, para contemplarmos as maravilhas da criação.

Grandes compositores brasileiros já imortalizaram o trem em uma época em que ainda esse meio fazia parte da vida da sociedade. Raul Seixas escreveu o “Trem das sete”, e João Rubinato, o Adoniram Barbosa, ficou imortalizado pela sua canção “Trem das onze”. No entanto, infelizmente, hoje o Brasil é um país que praticamente não tem trens, e onde eles existem, quase não são importantes. Sendo assim, o brasileiro é um povo que não viaja de trem. Em nossas vidas, também não viajamos em pensamentos, não sentimos a sensação de liberdade. Quando se vai ao trabalho, não temos tempo para refletir, muito menos paisagens para contemplar. De carro esbarramos nos engarrafamentos e nossa atenção deve estar na direção. De ônibus, só vemos veículos à nossa frente e lado, e não temos a paisagem a admirar, muitas vezes nem espaço para sentar.

E se logo no início da história do transporte público, pela primeira vez as pessoas se olhavam, mas não se cumprimentavam, agora, com o advento e popularização do celular “inteligente”, que integra tudo nele, não temos tempo simplesmente de olhar para as pessoas ao nosso redor e esboçar um sorriso. Ficamos presos às pequenas telas, as quais dominamos com a palma de nossa mão, perdendo nosso tempo, acreditando que olhar a vida alheia nos trará bons frutos.

E nessa viagem não há tempo para conhecer a pessoa que sentou-se ao nosso lado, de saber quem ela é e o que ela pensa. Nossos ouvidos também estão com os fones, ouvindo qualquer coisa que toque. Não há tempo e nem vontade de expressar o amor e de aprender.

E aquela linda poesia de Manuel Bandeira, chamada Trem de Ferro, ninguém mais vai compreender, pois não conhece mais o barulho do trem. Café com pão / Café com pão / Café com pão / Virgem Maria / Que foi isto maquinista?

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