Vanderlei Cordeiro de Lima desenvolve trabalho social com crianças em Campinas: defesa da educação aliada ao esporte (Divulgação)
Não foi por acaso que Vanderlei Cordeiro de Lima entrou no Estádio Olímpico de Atenas em 2004 imitando um aviãozinho depois de percorrer uma turbulenta maratona para colocar no peito a tão esperada medalha olímpica. Há 31 anos, ele deixava sua cidade natal, Cruzeiro do Oeste-PR para voar. A viagem foi cercada de tempestades, turbulências e o risco de queda não se limitou a poucas vezes. No entanto, a superação prevaleceu e, acima de tudo, o desejo de ensinar outros a também voarem. Por isso, no Dia do Esportista, celebrado neste domingo, Vanderlei, que fez de Campinas seu lugar de pouso, é lembrado como referência.
Seu lugar de pouso também é a cidade onde nasceu, Cruzeiro do Oeste, onde vive em meio aos gados, matas e rios no sítio de sua propriedade. “Voltei às origens”, diz hoje aos 53 anos, sem se esquecer de onde veio. De Cruzeiro do Oeste saiu com 4 anos de idade para morar em Tapira também no Paraná. Filho de retirantes nordestinos, cresceu com dificuldades. Ao mesmo tempo em que frequentava a escola, também cortava cana e colhia algodão para ajudar a família de seis irmãos a não passar fome. Seu sonho era ser jogador de futebol, mas o destino lhe reservou uma outra viagem.
Com um par de tênis que ganhou de presente do diretor da escola em que estudava e estimulado pelo professor de educação física, participou de sua primeira maratona em 1985 em Umuarama-PR. No dia 27 de outubro daquele ano, a Gazeta Regional da cidade publicava o resultado dos Jogos Escolares: nos 5.000 metros rasos masculino o nome de “Vanderlei Lima” aparecia em primeiro lugar. O avião começava a decolar.
“Mudei para Maringá, ainda no Paraná, e passei a disputar campeonatos de 1.500m, 3.000m, 5.000m, 10.000m. Surgiu depois a oportunidade de integrar a equipe da Eletropaulo, em São Paulo, e fui, mesmo contrariando meus pais. Na sequência, saí do país pela primeira vez para disputar o Mundial Juvenil no Canadá”, relata Vanderlei, que pousou em Campinas no início dos anos 90. “Primeiro fui para a equipe da Funilense, em Cosmópolis, depois para Campinas, cidade que me abraçou e onde permaneci.”
Em 1992, ganhou visibilidade ao terminar a São Silvestre em quarto lugar. Dois anos depois, surpreendeu na maratona de Reims, na França. Contratado como “coelho” apenas para correr metade da prova e dar ritmo aos competidores, foi além. “Não só completei o percurso, como venci a prova”, lembra. Começava a busca por voos maiores.
Uma vitória na Maratona de Tóquio lhe garantiu a marca para a disputa de sua primeira Olimpíada na carreira. Mas em Atlanta-96, problemas com o tênis provocaram bolhas de sangue na planta do pé. “Fiquei só na 47ª posição”, conta. A medalha olímpica, no entanto, passou a fazer parte dos planos.
Os bons resultados em maratonas seguiam, veio o título Pan-Americano em Winnipeg, no Canadá, mas a medalha olímpica novamente ficou distante nos Jogos de Sydney, com apenas a 75ª colocação. “Senti uma lesão durante a prova”, lamenta. Antes da Olimpíada de Atenas, veio o bi do Pan-Americano, em São Domingos, mas uma contusão quase interrompeu de vez o voo. “Em janeiro de 2004 sofri um acidente de moto e fraturei o ombro esquerdo. Minha preparação aconteceu com o braço imobilizado e os movimentos limitados.” Mesmo assim chegou em Atenas.
Na disputa da maratona, Vanderlei assumiu a liderança da prova na altura do km 20. Faltando pouco mais de 7km para a entrada no estádio Panatenaico e mantendo uma distância de aproximadamente 150m do segundo colocado, o brasileiro foi atacado por um expectador. O ex-padre irlandês Neil Horan invadiu a pista e empurrou Vanderlei. Ajudado por um espectador grego, Polyvios Kossivas, a se desvencilhar do agressor, voltou à prova ainda na liderança, mantendo ainda a metade da vantagem que tinha.
A esperada medalha olímpica, no entanto, ficou ameaçada. Vanderlei foi ultrapassado por dois competidores. Entrou no estádio na terceira colocação. E quando percebeu que o bronze não escapava mais, voou em paz rumo à linha de chegada. “É um bronze que valeu ouro”, define. Em meio a homenagens, Vanderlei encerrou a carreira em 2008. Único latino-americano outorgado com a Medalha Pierre de Coubertin, a maior condecoração de cunho humanitário-esportivo concedida pelo Comitê Olímpico Internacional, ele ainda teve o privilégio de acender a pira olímpica dos Jogos do Rio, em 2016.
TRABALHO SOCIAL
Hoje, além de se dedicar ao sítio, Vanderlei faz parte de um grupo da Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) que contribui na formação de jovens, com palestras e eventos. E no seu instituto, em Campinas, em parceria com a Orcampi, atende mais de 300 crianças em um trabalho social. “O jovem hoje está muito focado à virtualidade, às telas de celulares e computadores. É preciso que as escolas desenvolvam programas de valorização do esporte. A educação aliada à prática esportiva é um caminho de transformação”, ensina.