A Faculdade de Educação Física da Unicamp tem forte presença no esporte paraolímpico brasileiro (Arquivo Unicamp)
Contribuir com resultados melhores do esporte brasileiro por meio de pesquisas científicas. Essa é a meta da Faculdade de Educação Física da Unicamp. Em entrevista ao Esportes Já, o diretor da FEF, Odilon José Roble, diz que já passou da hora do esporte brasileiro “conversar com a universidade”. “Não dá mais para pensar em um atleta de ponta sem um acompanhamento científico”, defende, citando Estados Unidos, Europa e Japão como exemplos.
A expectativa de Roble é de que as portas comecem a ser abertas. Um acordo da Unicamp com a Confederação Brasileira de Atletismo (CBAt) já existe desde 2021 e iniciará a fase de aprofundamento a partir deste ano. “Em março, terei uma reunião com o presidente da CBAt (Wlamir Leandro Motta Campos) e muitas novidades devem surgir”, diz.
Ainda nesta entrevista, Roble também detalha essa parceria com a CBAt e lembra que a forte contribuição da Unicamp para o desenvolvimento do esporte paralímpico brasileiro pode ser exemplo para que o esporte olímpico siga o mesmo caminho.
ENTREVISTA
Esportes Já: De que forma a FEF já contribuiu com o esporte brasileiro?
Odilon José Roble: A FEF da Unicamp sempre colaborou com o esporte. Já tivemos preparadores físicos de modalidades específicas, treinadores de atleta de alto rendimento e pesquisas desenvolvidas com seleções brasileiras. Mas um convênio direto entre uma modalidade e a faculdade estamos tentando nessa gestão. Estamos iniciando uma parceria com a Confederação Brasileira de Atletismo. Já existe uma carta de intenções assinada desde 2021. Em março, tenho uma reunião com o presidente da CBAt, no qual vamos começar a detalhar as formas dessa parceria. A médio prazo, a intenção é reformar a pista de atletismo da Unicamp, que ainda é de carvão, para um piso de borracha. Com esse equipamento, pensamos em receber atletas da seleção brasileira, que treinariam e se alojariam aqui. Assim, a Unicamp poderia oferecer subsídios para o desenvolvimento de treinos mais qualificados a partir de pesquisas científicas.
As pesquisas relacionadas à parceria teriam por objetivo desenvolver métodos que possam melhorar a performance dos atletas ligados ao atletismo?
Sim. No panorama internacional, o Brasil está em defasagem na relação universidade e esporte de alto rendimento. Nos Estados Unidos, Europa, Japão e Austrália, a presença das universidades na relação com as equipes esportivas é muito intensa. Quando existe essa parceria, é possível se verificar onde está a lacuna do treinamento de um determinado atleta, por exemplo, e resolver ou minimizar o problema a partir de uma coleta de dados, que ajudará a universidade a construir um banco de pesquisas. Nos países que citei, isso ajuda muito os atletas a melhorarem suas performances e a obterem resultados. Já no Brasil, essa prática ainda é pouco utilizada.
A parceria com a CBAt foi assinada em 2021. De lá para cá, chegou a ser desenvolvido algo prático?
Parceria que envolve captação de recursos público não é trivial. Há alguns contatos sólidos, mas a expectativa é de pelo menos mais uns dois anos até colocar a pista em pé.
A Unicamp presta um grande serviço para o desenvolvimento do esporte paralímpico brasileiro, que é forte. Essa força estaria ligada a essa parceria com a universidade?
A Unicamp tem uma contribuição significativa na força do esporte paraolímpico brasileiro. Desde o início da década de 90, houve a construção de um trabalho de pesquisa sólido. Já conseguimos formar cerca de 60 mestres e doutores específicos para trabalhar com o esporte paraolímpico. Na Paralimpíada de Londres, em 2012, 40% do staff técnico da seleção brasileira eram de ex-alunos da Unicamp. A academia paralímpica, que é o centro de treinamento das seleções, tem uma quantidade expressiva de ex-alunos da Universidade e parcerias com o nosso corpo docente. O atual diretor técnico da academia é o Jonas Freire, que fez mestrado e doutorado na Unicamp. Todo ano sai pesquisa daqui para o esporte paraolímpico. Já dentro do esporte olímpico, esperamos que essa parceria com a CBAt abra portas para iguais resultados em outras modalidades. É uma demanda até atrasada. Precisamos capacitar o esporte brasileiro para conversar com a universidade.
Esse desenvolvimento relacionado ao esporte paraolímpico dentro da Unicamp não teve uma ação paralela em relação ao olímpico por qual motivo?
O esporte foi um pouco reticente à relação mais científica. Precisou que alguns países de ponta começassem a ter muitos resultados atrelados ao desenvolvimento científico para que outros aceitassem essa interferência da universidade. Treinadores mais antigos têm ainda resistência em achar que a universidade possa dar parâmetros de treinamento. Ainda há certos dogmas. No paraolímpico foi diferente porque a questão da deficiência traz desafios de partida. Nesse caso, não se trata de conhecer só o esporte. Existe a necessidade de se fazer uma adaptação para aquele corpo diferente e, essa adaptação, passa muitas vezes por questões fisiológicas, psicológicas e tecnológicas. Isso tudo requer uma ação da ciência. O desenvolvimento do esporte paraolímpico nasceu amparado na ciência. O esporte olímpico, não. Ele nasceu no campo e, à medida que ele se desenvolveu, atingindo certas métricas e dificuldades de superação, é que foi recorrer à ciência. São caminhos distintos.
Voltando à parceria com a CBAt. Fortalecendo essa parceria, você acredita que os resultados já possam aparecer na Olimpíada de 2028?
Tenho a impressão que sim, começariam a aparecer resultados mais pontuais. E com dois ciclos olímpicos, os resultados vão aumentando. Tenho certeza que algumas coisas simples podem trazer grandes resultados. Temos bons atletas no Brasil, mas que às vezes são obrigados a treinar de forma incompleta. Recursos de ordem científica são cada vez mais essenciais na prática esportiva. Não dá para pensar em um atleta de ponta sem um acompanhamento científico.