HISTÓRIA

Uma aliada contra o racismo no futebol e que jamais será esquecida

Caso de racismo sofrido por Luighi gerou reflexão sobre papel das equipes na luta contra o preconceito racial; historiador relembra pioneirismo da Ponte Preta

Esportes Já
10/03/2025 às 11:01.
Atualizado em 10/03/2025 às 12:06

A conquista da Série A-2 de 2023 teve no comando Hélio dos Anjos, um técnico de descendência africana (Marcos Ribolli/Pontepress)

O registro de um novo caso de racismo ocorrido na Copa Libertadores Sub20, com o jogador Luighi, do Palmeiras, provocou uma cobrança sobre aquilo que os clubes fazem para que os jogadores fiquem protegidos de agressões por conta da cor da pele. Neste contexto, é impossível ignorar o papel da Ponte Preta na construção de um ambiente de democracia racial dentro do futebol. A alvinegra foi pioneira ao acolher jogadores negros em suas fileiras.

Ganhar a alcunha de uma equipe norteada pela democracia racial não foi à toa. Primeiro porque contar com negros entre os fundadores, em 1900, e também por escalar um jogador no primeiro time, Miguel do Carmo, um volante com capacidade para atuar em diversas posições e abriu as portas para a construção da identidade da equipe, cujo símbolo é a Macaca, um contraponto aos problemas enfrentados quando sua torcida era alvo de insultos por parte dos oponentes. O troco foi abraçar a Macaca como mascote.

Estudiosos da história da Ponte Preta e o próprio clube não desistiram de buscar o reconhecimento na Fifa de ser a primeira democracia racial. Sem medo de encampar a luta contra o racismo, no dia da Consciência Negra, em 20 de novembro do ano passado, o clube lançou uma camisa especial em alusão à data que lembra a morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares, em 20 de novembro de 1695, e que simboliza a luta contra o racismo no Brasil. O uniforme foi lançado com cor majoritariamente preta, com detalhes em branco nas laterais e na manga da camisa, além de um gorila na estampa, tudo isso para simbolizar o mascote.

Que ninguém pense que tal trajetória foi construída com facilidade. Pelo contrário. O historiador José Moraes dos Santos Neto afirma que poucos times têm o privilégio construído pela Ponte Preta, a de contar com atletas negros desde os seus passos iniciais. Um feito que ganha maior relevância ao verificarmos a conjuntura histórica do Brasil no começo do Século XX. “Durante a República Velha existia uma intenção de branquear a sociedade brasileira de modo intenso. Como? Eles queriam proibir o samba, o batuque e qualquer tipo de manifestação cultural afro-brasileira, não somente o futebol”, explicou o historiador, que é professor de história na Puc-Campinas.

Neto explica que, com a ascensão de Getúlio Vargas ao poder federal e com o avanço da urbanização, estas proibições perderam o sentido e o jeito de muitos preconceituosos foi abraçar o racismo camuflado. Mais do que time, o bairro da Ponte Preta , segundo Neto, foi vital para que a Macaca fosse um espaço de confirmação da identidade da população negra. “As pessoas (que moravam no bairro eram) vindas de fora de Campinas e não eram ligadas ao baronato de café, elite e cafeeira ou qualquer tipo de elite interna da cidade. Vieram todas da uma grande parte da Vila de Santo Amaro, separada na época de São Paulo”, explicou o historiador.

Segundo José Moraes dos Santos Neto, as pessoas que residiam no bairro da Ponte Preta eram empobrecidas ou pequenos camponeses. Sem contar, segundo ele, que o bairro era longe do centro da cidade. “Neste cenário, chega a comunidade ferroviária, com uma visão ideológica vinda do século XIX, com o movimento anarquista na cabeça, com socialismo, comunismo e relação com os sindicatos”, disse Neto.

Existia uma segunda parcela de moradores que eram trabalhadores escoceses e que sofriam um racismo interno dentro da Grã-Bretanha. “O bairro respirou convivência e com pessoas que tinham um estudo a mais todos chegaram a conclusão de que melhor se unirem na pobreza do que brigarem”, explicou Neto, que aponta a produção de identificação da Ponte Preta entre pessoas que a primeira vista não seria lógico. “A pessoa que sai da Alemanha e vem aqui visitar um parente, se for levado ao alambrado da Ponte Preta, o cara se sente muito em casa”, disse. “É uma energia que passa por cima do racismo”, arrematou.

Ao fazer esta retrospectiva histórica e relembrar os acontecimentos sofridos por Luighi na Copa Libertadores Sub20, o historiador e professor da PUC-Campinas considera que é inevitável que os holofotes sejam ainda mais direcionados para a Ponte Preta em virtude de sua tradição de luta contra o racismo. Mas não esconde entraves históricos.“No Brasil, quando você tem uma ação, existe uma reação e depois você faz um acordo. Qual o acordo? O acordo é nunca mexer nessas coisas que envolvem a sociedade, porque os intelectuais são maiores que isso. É preciso destruir essa estrutura política do poder do futebol, que nunca resolve nada, com essa estrutura colonial, autoritária, voltada a interesses pessoais”, disparou, que é preciso uma punição exemplar no caso vivido por Luighi.

Diante disso, Neto considera que o papel da Ponte Preta contra o racismo não pode ser ignorado. Sem a presença da Macaca, na linha de frente, tudo fica mais difícil.

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