Marcos Antonio Malaquias conversou com a reportagem do Esportes Já
Cada partida disputada na condição de visitante era um martírio (Kamá Ribeiro)
Crianças e adolescentes pensam o futebol como um conto de fadas. Estrutura de primeira linha, convivência com astros de ponta, estádios lotados, tietagem nas 24 horas do dia e projeção de um futuro melhor. Outros enfrentam a transformação dos desejos em um mar de dificuldades, em competições com virilidade, episódios desagradáveis e salários baixos. E quando o esporte lhe proporciona viver nos dois mundos? Qual o saldo retirado da experiência? Ex-meia direita formado no São Paulo e com vivência em clubes do interior, Marcos Antonio Malaquias, de 61 anos, viveu nos dois mundos. Só retirou boas recordações. “No futebol a gente faz amizade do que inimizades”, conta Malaquias, com sorriso tímido e determinado durante a conversa com a reportagem do Esportes na última quinta-feira, em um comércio de temperos localizado ao lado do Mercado Municipal. Irmão do ex-zagueiro Modesto, este senhor de gestos comedidos mostra satisfação por ter vivido uma trajetória menos atribulada que o irmão, astro do Atlético Mineiro nos anos 1970. “Eu nunca precisei fazer testes. Ele teve que correr atrás”, resumiu.
A memória está afiada e tudo é contado em detalhes. A saga de Marcos Antonio Malaquias, o Marquinhos, como é chamado até hoje por seus amigos, começa em meados da década de 1970. Cidinho, zagueiro que atuou no Guarani na década de 1940, abriu as portas para sua estadia no futebol. Só que não foi fácil convencer Marquinhos de que aquela estrada valia a pena ser percorrida. Foi Cidinho que lhe apresentou Zarur, ex-jogador da Ponte Preta e que atuava nas categorias de base da Macaca. Apesar do desejo, Marquinhos não levou o plano adiante. Motivo: a paixão pelo futebol amador e pelo time do Bela Vista falava mais alto. Voltou a correr pelos gramados de Campinas. Tinha entre 14 e 15 anos. Cidinho, o primeiro incentivador, não desistiu. Foi até a sua residência e, ao encontrar Marquinhos, decidiu dobrar a aposta: levaria o garoto ao São Paulo.
A PARCERIA COM SERGINHO
Foi a época de Marquinhos descobrir o glamour e a fartura no futebol. Ficou no tricolor paulista por sete anos, dos 14 aos 21 anos. “Ali você tinha tudo à disposição, desde dentista até escola”, descreveu. Tem como recordação sua boa atuação na Copa São Paulo de 1980, edição em que o Internacional de Porto Alegre levantou a taça. Ali, na convivência dos treinamentos e dos jogos fez amigos para a vida toda, como Márcio Araújo, Heriberto e Serginho Chulapa, e que tem um capítulo especial na sua trajetória. “Ele me ajudou muito. Ele sempre falava que eu devia respeitar todo mundo, mas que não fosse bobo de ninguém”, relatou o ex-jogador.
Apesar do bom rendimento nos treinamentos ou quando era acionado nos jogos, Marquinhos teve a infelicidade de viver no tricolor paulista uma época em que as contratações eram muito mais valorizadas do que as revelações das categorias de base. “Eu subi para o profissional, mas era difícil porque o elenco tinha jogadores como o falecido Mário Sérgio e Zé Sérgio”, contou.
DURA REALIDADE
Diante da dura realidade, Marquinhos começou a ser emprestado pelo São Paulo. Primeiro ficou um ano no São Bento, em 1982, mas não conseguiu ficar. Sua contratação foi uma indicação do ex-zagueiro e então recém iniciado treinador Marinho Perez, que logo depois iniciou sua jornada no futebol português. Foi o primeiro estalo para perceber que o tempo de fartura do São Paulo tinha acabado. Era o período da escassez. E de experiências nada agradáveis, quando as que viveu no Araçatuba, que no período disputou a Segunda Divisão, atual Série A-2.
Cada partida disputada na condição de visitante era um martírio. Segundo ele, os problemas eram registrados desde a chegada do ônibus, quando as pedradas eram uma rotina normal. Passavam por arremesso de fogos de artifício dentro do vestiário e desembocaram no aquecimento dentro do gramado, em que o clima era o pior possível. “O jogador adversário chegava para te cumprimentar e ao invés de estender a mão eles te davam um soco na barriga”, descreveu. A reação da arbitragem? De acordo com Marquinhos, apática. “Tinha jogador que falava que estava lesionado porque não queria encontrar esse clima como visitante”, disse Marquinhos.
NOVA VIDA E PRESERVAÇÃO DAS AMIZADES
Após as desventuras vividas em Araçatuba, Marquinhos viveu algumas temporadas no Guarani de Salto em Santo Antônio Posse e depois resolveu parar com o futebol profissional. Saiu dos mundos antagônicos oferecidos pelo futebol profissional e retornou a categoria amadora.
Aos poucos, Marquinhos mudou de vida. Hoje, atende de maneira solícita, alegre e educada todos aqueles que passam no ponto comercial especializado na venda de temperos localizado ao lado do Mercadão.
Mas o futebol ainda produz sorrisos. Durante a conversa com a reportagem do Esportes Já, Marquinhos fez questão de mostrar um áudio recebido no aplicativo de mensagem no seu telefone celular. Era do ex-armador Grizzo, que conseguiu o acesso com a Ponte Preta na Série B de 1997. Com passagens por Bahia, Criciúma e Joinville, o ex-atleta de 60 anos relatava o quanto era agradecido por Marquinhos ter auxiliado em sua trajetória. Marquinhos ouvia e sorria. Era a prova de que o futebol, na fartura ou na escassez, foi uma aventura que valeu a pena.