Após passagem na Ponte Preta, o atual auxiliar técnico de Odair Hellmann conta as peripécias vividas no milionário campeonato da Arábia Saudita
Após passagens por Ponte Preta, Santos e no futebol dos Emirados Árabes, Fábio Moreno trabalha no Al-Riyadh, em que teve a chance de enfrentar jogadores de ponta, como o atacante português Cristiano Ronaldo. No final, da Liga Árabe, a sua equipe comemorou a permanência com 35 pontos ganhos em 34 rodadas (Acervo pessoal)
O futebol é o espaço ideal para os desafios. Tarefas capazes de exibir obstáculos, surpresas e desenlaces feitos para produzir ensinamentos. Fábio Moreno nunca fugiu destes processos. Filho do lendário observador, auxiliar e técnico Robertinho Moreno, este campineiro de 42 anos, entre idas e vindas, passou 13 ligados a vida da Ponte Preta. Foi observador, coordenador de futebol e técnico na temporada de 2020, quando ao final da Série B válida pelo ano de 2020 e encerrada em 2021 deixou a equipe na sétima posição com 57 pontos. Desde então, a Macaca não mais teve desempenho semelhante.
Em 2021, decidiu seguir novos rumos. Foi convidado e aceitou trabalhar ao lado de Odair Hellmann no Al-Wasl, dos Emirados Árabes. A saída ocorreu em junho de 2022, com o saldo de 22 vitórias, 19 empates e 18 derrotas e aproveitamento de 48%. Nova estadia foi definida no Santos em novembro de 2022. O encerramento da trajetória foi em junho do ano passado, quando Hellmann saiu de Vila Belmiro, saiu com 34 jogos, sendo 11 vitórias, 11 empates e 12 derrotas.
Parada forçada e a espera para um novo desafio trouxe algo novo para Fábio Moreno: trabalhar na Arábia Saudita no Al-Riyadh. O desafio era complexo. A equipe estava sem vitória nos oito jogos iniciais e precisava empreender uma reação para escapar do rebaixamento. Após vários anos ausente da divisão de elite, a meta era escapar da segundona. Não era apenas isso. O elenco não continha nenhum jogador brasileiro e não era possível trazer reforços. Ou seja, se fosse para escapar do pior, tinha que ser com o elenco montado. “O nosso time é muito tradicional. Eles ficaram 25 anos longe da Premier League (como é chamado o campeonato na Arábia Saudita)”, disse Fábio Moreno. De uma hora para outra era preciso arquitetar um time titular para enfrentar jogadores do quilate de Cristiano Ronaldo, Benzema, Romarinho, Alex Telles, entre outros.
Existia outro empecilho: o orçamento. De acordo com Moreno, existem as equipes na divisão principal de propriedade do governo e outros que pertencem às empresas e cujo orçamento é quase infinito.
Mesmo assim, existe por parte dos organizadores um cuidado para sustentar um Fair Play financeiro. Tanto que quando existe a renovação de contrato, o documento é enviado para os organizadores da Liga. Após a aprovação na liga, a análise fica por conta do Ministério do Esporte. Mesmo assim, Fábio Moreno não esquece que o desafio é grandioso. “A Liga tem transmissão direta no Brasil e tem uma visibilidade mundial muito grande por contra dessas estrelas mundiais que estão por lá como Cristiano Ronaldo e Benzema. A tendência é que a próxima temporada aumente ainda mais o número de jogadores oriundos da Europa”, disse.
Nesta temporada encerrada, o Al-Riyadh ficou na 14ª posição com 35 pontos, três pontos acima do primeiro rebaixado. A competição tem 18 integrantes e três são rebaixados para a segunda divisão. O campeão foi o Al-Hilal , comandado pelo técnico português Jorge Jesus e que terminou com 96 pontos. O vice-campeonato ficou com Al-Nassr, equipe de Cristiano Ronaldo e que somou 82 pontos.
Fábio Moreno disse que seu trabalho foi, antes de tudo, auxiliar o clube a se readaptar a conjuntura e entender as necessidades que existem em um campeonato de elite. “Como eu cuidei desta parte da Ponte Preta por um período como coordenador de futebol, eu consegui colaborar”, explicou. No gramado, o foco foi o fortalecimento do sistema defensivo e trabalhar ao lado de Odair Hellmann a organização da equipe, tanto na perda como na posse de bola. “Nosso desafio era pontuar e fazer os pontos necessários para permanecermos na liga, que era o principal objetivo”, explicou Fábio Moreno.
Em alguns momentos era preciso contar com a sorte ou o acaso para que o plano produzisse frutos. Algo que não sai da memória de Fábio Moreno é o confronto com Al Nassr no dia 23 de maio e que terminou empatado por 2 a 2. O auxiliar técnico de Odair Hellmann recorda a revolta de Cristiano Ronaldo por não converter em gols as chances perdidas e a estratégia adotada sistematicamente pelo Al-Riyadh para travar a velocidade do visitante e atrapalhar os planos do atacante português. “Às vezes não tem o que fazer. Neste ultimo jogo, estávamos vencendo, mas o Ronaldo tinha perdido três quatro gols assim incríveis que ele normalmente não perde”, relembrou Fábio Moreno, que por vezes fica inebriado por tudo que viveu na Liga Árabe. “Até outro dia esses caras estavam na disputando Copa do Mundo ou Champions League. Agora eles estão na sua frente. Se parar para pensar é algo surreal”, observou.
O cotidiano na Arábia Saudita tem muitos pontos positivos. Fábio Moreno reside no mesmo condomínio que Jorge Jesus e seu auxiliar João de Deus. Em encontros na academia do complexo residencial foi possível trocar e impressões sobre futebol. “O Jesus é um pouco mais fechado, mas com João de Deus eu trocava ideias”, disse. Sua obsessão era tentar entender como Jorge Jesus consegue aplicar uma metodologia capaz de produzir resultados no Flamengo em 2019 e agora no futebol árabe. “É uma intensidade incrível(do Al-Hilal). Eles são agressivos (no gramado) o tempo todo. Eles correm só para frente. Você não consegue respirar em nenhum momento”, descreveu.
As condições de trabalho satisfatórias, o cumprimento do objetivo traçado, a troca de conhecimento e a qualidade de vida, (em que o intervalo dos jogos chega a ser de até 12 dias), não fazem Fábio Moreno esquecer a situação do futebol campineiro, especificamente da Ponte Preta.
Ao contrário de décadas passadas, quando trabalhar no exterior significava isolamento total com a terra natal, hoje é diferente. Fábio Moreno disse que consegue acompanhar o desempenho das equipes de maneira próxima, já que existem transmissões disponíveis, apesar de residir na Arábia Saudita. O diagnóstico a respeito do futebol campineiro vem acompanhado de riqueza de detalhes.“ Dá uma tristeza grande, por todo o carinho que tenho pela Ponte Preta e pelo respeito que tenho pelo Guarani, em que iniciei nas categorias de base em 1994 e eles tinham craques como Amoroso e Djalminha”, disse.
Em relação à Macaca, sua expectativa é que Nelsinho Baptista produza uma reviravolta. “O Nelsinho me ajudou muito em 2007 quando eu voltei para Ponte Preta. Sempre troquei ideia com ele e pedi conselho porque ele tem muito conhecimento”, disse Fábio Moreno.
Ele não deixa de encaminhar solidariedade em relação a tudo vivido pelos dois clubes. “Tem que investir em CT e estrutura. É preciso focar na base. O futebol mudou muito e sem isso fica quase desleal. Mas os torcedores (de Campinas) mereceriam muito mais”, completou Fábio Moreno, de férias emsua residência em Indaiatuba, mas com a mala na espreita para viver uma nova aventura.