O goleiro Luis Henrique sofreu para segurar o ataque bugrino (William Ferreira - Cedoc Correio Popular)
Para o torcedor do Guarani que vivia sua infância na década de 1990, o dia 13 de maio de 1991 tem significado especial. Naquela noite de segunda-feira, o Guarani decidiu a sua sorte na Série B do Campeonato Brasileiro diante do Coritiba. Com o estádio Brinco de Ouro lotado, com 17.059 pagantes, o embate era por uma vaga na divisão de elite do Campeonato Brasileiro. A vitória por 1 a 0 no tempo normal e a fatura nos pênaltis por 5 a 4 levou a equipe à decisão contra o Paysandu e consagrou um heroi, o goleiro Marcos Garça, autor da defesa do chute de Nardela no instante decisivo.
Para alcançar o êxtase, o Guarani passou por uma maratona. Com 64 participantes, a fase inicial da Série B foi formada por oito grupos com oito equipes. O Guarani ficou no Grupo 5 ao lado de Novorizontino, Anapolina, Goiânia, Gama, Taquatinga, AtléticoGO e Vila Nova-GO. Os jogos foram em turno e returno, e o Alviverde terminou na segunda colocação com 18 pontos, um ponto à frente da Anapolina. O campeonato dava dois pontos ao vencedor e um ponto pelo empate.
A partir daí, os mata-matas proporcionaram instantes inesquecíveis ao torcedor bugrino. Nas oitavas de final, contra o Botafogo-SP, o empate sem gols no Brinco de Ouro parecia o prenúncio da desclassificação. Em Ribeirão Preto, os anfitriões saíram na frente com João Carlos. As expulsões de Vagner e Paulo Silva, pelo Guarani, e de Edson Mariano, pelo Pantera, deixaram o quadro ainda mais pendendo para a saída bugrina. Foi quando Vonei conseguiu uma arrancada aos 50 minutos do segundo tempo e deixou tudo igual. O Guarani obteve a classificação para a próxima fase por ter marcado o gol na casa do adversário, o que era utilizado como critério de desempate.
Nas quartas, o drama foi repetido. Na ida, em Campinas, no feriado de 1˚ de maio, o empate por 1 a 1 com o Noroeste deixou tudo adiado para o dia 5 de maio, quando encarou a pressão do estádio Alfredo de Castilho e se deu bem, pois venceu por 2 a 0, com gols de Vonei aos 14 e aos 48 minutos da segunda etapa.
O acesso estava próximo. O Guarani era comandado por Pepe, técnico campeão paulista de 1986 e do Campeonato Brasileiro do mesmo ano, decidido no ano seguinte. O otimismo tomou conta da torcida bugrina. O primeiro jogo da semifinal da Série B seria contra o Coritiba, no estádio Couto Pereira.
Sem saber que seria o herói, o ex-goleiro Marcos Garça tem recordações daqueles 180 minutos. Ao entrar em campo, em uma quinta-feira à noite, o Guarani resistiu a pressão do adversário, embalado pelo incentivo de 24.933 torcedores. O Coritiba pressionou e marcou seu gol aos 44 minutos da etapa final com Heraldo. Marcos Garça começou a dar sinais de seu heroísmo ao agarrar um pênalti batido por Chicão aos 26 minutos do segundo tempo.
Após o confronto, o goleiro bugrino ficou inconformado com o que viu. Companheiros apáticos, tristes e sem poder de reação. “Eu fui dos últimos a sair do campo. Tive que atravessar o campo todo e quando cheguei ao vestiário estava um clima de velório. Chamei o Pereira (zagueiro e capitão da equipe) e disse que reverteríamos a situação. Começamos a conversar com o pessoal lá dentro do vestiário e mudamos o clima”, disse o ex-goleiro.
Na decisão em Campinas, o ato foi dividido em duas partes. No tempo normal, a torcida presente ao Brinco de Ouro testemunhou Pereira desperdiçar um pênalti aos 14 minutos do primeiro tempo. Depois, viu o beque cravar o gol bugrino aos 45 minutos da primeira etapa. A euforia não foi suficiente para levar a equipe à vitória. A decisão foi para os pênaltis. Após 34 anos, o goleiro Marcos Garça busca explicações para a defesa do penal batido por Nardela. “Hoje você tem informação de tudo que você possa imaginar. Na nossa época, isso não existia. Você treinava e via algo pela televisão. Era basicamente tentar induzir o batedor, algo bem intuitivo.”
Com serenidade do tempo e consciente das surpresas arquitetadas pelo futebol, Marcos Garça apontou a união como um dos fatores do sucesso. “Era uma equipe desacreditada, mas a camisa do Guarani é sempre pesada. Naquele momento não era uma equipe que demonstrava aquela condição de favoritismo, de subir. Pelo contrário, era uma equipe bem limitada”, analisou o ex-goleiro, que relembrou o fracasso do Alviverde no ano anterior, em 1990, quando deixou escapar o acesso diante do Sport no Brinco de Ouro ao empatar por 1 a 1.
Para que o sonho virasse realidade, Marcos Garça coloca o técnico Pepe como figura essencial para que tudo terminasse com final feliz. “Ele é uma pessoa extraordinária, um visionário. Um treinador que, além de ter um conhecimento muito grande de futebol, era uma pessoa carismática. Nós tínhamos um carinho muito grande por ele. O grupo estava muito unido com ele. Nós assimilávamos o que ele falava e, em cima daquilo que ele falava, os jogadores experientes, como Biro-Biro, Édson, Pereira, acrescentavam alguma coisa”, completou.
Testemunha e herói da epopeia, o exarqueiro não pensa duas vezes em analisar que aquele espirito solidário e comunitário parece encontrar-se ausente do Guarani de 2025. “Os clubes menores estão sem poder aquisitivo e eles não conseguem sustentar um menino na base. Aparece um (time) grandão e já leva embora. E, infelizmente, essa identificação com a base, ela ser um celeiro de formação de jogadores, como era em Campinas, hoje não existe mais”, explicou Marcos Garça, rápido em mostrar sua própria história de vida para demonstrar que essas trajetórias inexistem no futebol do Século 21. “Eu morei dez anos dentro do Guarani, no (alojamento) do amador e no profissional. Eu vi aquele clube maravilhoso, eu via aquelas piscinas cheias. Vejo aquilo aos pedaços e me dá tristeza, porque foi minha casa. Hoje é complicado você ter uma identificação como eu, particularmente, tinha com o clube”, lamentou Marcos Garça, que não esqueceu os momentos inesquecíveis que viveu naquele 13 de maio de 1991. Dia que pode servir de inspiração para tempos melhores.
FICHA TÉCNICA
Guarani (5) 1x0 (4) Coritiba
GUARANI: Marcos Garça, Jura, Paulo Silva, Pereira e Julimar; Biro-biro, Valmir e Edson Abobrão; Nenê (Ivair), Vonei e Claudinho (Vagner).
Técnico: Pepe.
CORITIBA: Luís Henrique, Catani, Jorjão, Heraldo e Márcio; Hélcio, Emerson e Pedrinho Maradona (Mirandinha); Tostão (Nardela), Chicão e Pachequinho.
Técnico: Levir Culpi.
Gol do Guarani: Pereira aos 45 minutos do primeiro tempo.
Renda: Cr$ 15.218.000,00
Público: 17.059 (15.218 pagantes e 1.841 menores)
Árbitro: José Roberto Wright (RJ)
Local: Estádio Brinco de Ouro, em Campinas
Siga o perfil do Correio Popular no Instagram