O Camisa 1 se transformou em modelo para outras escolas de goleiro do Brasil (Divulgação)
Foi em um terreno abandonado, escondido e tomado pelo mato que um “sonho engavetado” de um ex-atleta ganhou contornos de realidade. Hoje, quase 20 anos depois, o espaço, que também era conhecido como ponto de uso de drogas, se tornou referência em transformação de vidas. A área de 6 mil metros quadrados abriga uma estrutura que virou modelo. Idealizado pelo ex-goleiro Vander Batistella, o projeto Camisa 1, em Americana, a primeira escola de goleiros do Brasil, completará duas décadas de existência em novembro de 2025.
O local foi e é palco de histórias com trajetórias inspiradoras. Dos campos do Camisa 1 saíram meninos que chegaram à seleção brasileira e diversos outros goleiros e goleiras que se espalharam pelo Brasil e exterior em equipes profissionais e de base. Há muitos também que não vingaram no futebol, mas deixaram o espaço com uma base educacional para seguir por outros caminhos. Algumas dessas histórias são contadas no documentário “Escola de Goleiros- O Filme- Nascidos para defender”, disponível no YouTube. Agora, novos depoimentos serão registrados para reforçar a importância do projeto social, cuja filosofia não mudou desde os primeiros passos de sua existência: oferecer oportunidade para a transformação de vidas por meio de aulas e atendimentos gratuitos. “A proposta é lançar um livro ainda neste primeiro semestre”, diz Batistella, hoje com 51 anos.
Para o ex-goleiro, que conseguiu transformar seu sonho em realidade, não faltam histórias envolvendo o projeto que colocou em prática há 20 anos. Um dos primeiros frutos do Camisa 1 foi o goleiro Pegorari, ex-Palmeiras, ex Guarani e hoje titular no XV de Piracicaba. Já em relação a revelações mais recentes, destaca-se Léo Aragão, reserva imediato de Cássio, no Cruzeiro. “Da escola também saíram o Diego Pato, campeão paulista com o Ituano, Daniel Fuzato, que passou pela seleção, Roma e hoje está no Vasco, além de muitos outros nomes. Formamos também meninas que serviram a seleção brasileira de base e profissional”, afirma Batistella.
Com cerca de 200 alunos e alunas entre 7 e 17 anos de idade, e uma fila de espera de 120 jovens, o Camisa 1 se tornou modelo para outras escolas no Brasil com o mesmo perfil. “Recebemos profissionais que buscam entender nosso trabalho e metodologia. Temos um projeto parceiro no Rio Grande do Norte”, relata o idealizador. A estrutura conta com três campos, um de grama e dois de piso sintético, um conjunto de vestiários e iluminação. Recentemente, houve a necessidade da instalação de um sistema de segurança, com monitoramento por câmeras. “Já fomos roubados quatro vezes”, justifica Batistella. Atualmente, um muro com 100m de extensão e 3m de altura está em construção.
DESAFIOS
Apesar da força da escola de goleiros, Batistella diz que a manutenção de um projeto social demanda desafios diários. O Camisa 1 capta recursos por meio de três frentes: apoio de uma lei de incentivo ao esporte do governo do estado, patrocínio de empresas e ações de uma associação de pais de alunos, que incluem doações. A batalha, por outro lado, não se compara à de 20 anos atrás, quando o ex-goleiro era uma voz solitária na busca pela realização do sonho.
“Ninguém acreditava que uma escola para goleiro vingaria. Elaborei o projeto em 2002, mas tive que engavetá-lo. Em 2005, o resgatei em nova tentativa”, conta. Então treinador de goleiros do Rio Branco, Batistella convenceu a Secretaria Municipal de Esportes de Americana a prestar auxílio, conseguiu a cessão do terreno e no dia 7 de novembro lançou o projeto na prática. “No primeiro dia de aula, todos os envolvidos se surpreenderam, pois apareceram 100 crianças para fazer matrícula”, recorda.
Por falta de recursos, a escola esteve ameaçada de fechar as portas em várias ocasiões, mas Batistella encontrava na própria trajetória inspiração para suplantar as adversidades. Natural de São João do Pau D’Alho, ele ainda jovem saiu de casa para tentar a carreira de jogador de futebol e precisou transpor barreiras, além de encontrar forças diante de situações imprevisíveis. Iniciou a trajetória no Guarani, mas se profissionalizou no XV de Piracicaba, onde, por meio de um conselho de Carlos Gallo, ex-goleiro da Ponte Preta, Corinthians e seleção brasileira, mudou a rota. “O Carlos estava começando a carreira de treinador e sugeriu que eu parasse. Eu tinha 1,76m de altura e a posição estava exigindo na época goleiros mais altos”, lembra. "Na ocasião, já vinha fazendo faculdade de Educação Física e passei a exercer a função de treinador de goleiros. Parei de jogar com 21 para 22 anos.”
Hoje, ao avaliar sua trajetória e as duas décadas de existência do Camisa 1, Batistella diz que tem a sensação de felicidade do dever cumprido.
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