MEMÓRIAS

O canto de uma Vila Bela

Esportes Já
28/08/2023 às 16:10.
Atualizado em 28/08/2023 às 16:10
Campeão Veterano 1998 (Divulgação)

Campeão Veterano 1998 (Divulgação)

Campinas, como todas as metrópoles do Brasil, passou por um processo de “higienização” étnica que retirou a população de ex-escravizados e pobres do centro da cidade, expulsando-os para as recém-criada, periferias. O início de tudo, na década de 50, com o surgimento da Fundação de Casa Popular, o São Bernardo, que recebeu os moradores da região do Mercado Municipal e do Cambuí.

A partir da década de 1960 e com a criação da Companhia Habitacional Popular de Campinas (Cohab), os moradores dos cortiços da região central, seriam transferidos para as “Vilas Populares”. Primeiro a Vila Rica, em 1966, e na sequência, a Vila Bela, em 1967.

Quem hoje transita pela movimentada Avenida John Boyd Dunlop, talvez não saiba e não imagina, que nos anos 60, a região era somente terra, não havia água encanada, rede de esgoto e nem energia elétrica.

É neste contexto, que o futebol surge e resiste ao lado desta comunidade, construindo laços presentes até os dias de hoje. O bairro se transformou, as ruas de terra ficaram para trás, mas o time de futebol mais antigo da região, sobreviveu ao tempo.

No dia 11 de fevereiro de 1969, o sr. Izael e seus filhos, Paulo e Amauri, fundaram o Esporte Clube Canto da Vila.

Um dos personagens importantes desta história é ‘Seo” Jair Capeletto, morador da Vila Bela há mais de 50 anos, acompanhou toda a trajetória do Canto da Vila desde a sua fundação até os dias de hoje.

Seo Jair, relembrou do início do Canto da Vila na casa do sr. Izael que tinha uma paisagem privilegiada na região. “A fundação ocorreu na casa do sr. Izael que ficava em uma esquina. Ali, tínhamos a visão da entrada dos três bairros que se confundem. Vila Bela, Jardim Garcia e Jardim Londres. Era uma vista de respeito, que só poderia terminar em duas coisas. Futebol ou em samba, e muitas vezes, terminava nas duas situações”, disse.

Ainda de acordo com Seo Jair, no começo, eram os amigos que jogavam as partidas amistosas pelo Canto da Vila. Só no início dos anos 70, começaram a disputar campeonatos oficiais. “As cores eram pretas e brancas, mas sempre havia reclamações por parte dos bugrinos do bairro. No bar do seu Alcindo, sede do Canto da Vila, o coro comia”, afirmou.

MUDANÇAS DE NOMES

Vila Bela ou Vila Castelo Branco? Na verdade, as duas opções estão certas. Antigos moradores, confirmam que o loteamento foi entregue pela Cohab como Núcleo Residencial Vila Bela. Mas, após o falecimento do ex-presidente do Brasil no período ditatorial e militar, Humberto Castelo Branco, a Cohab e a Prefeitura de Campinas, decidiram homenageá-lo, concedendo seu nome ao bairro, passando a se chamar, a partir de agosto de 1967, Vila Castelo Branco.

E o Canto da Vila, também sofreu alteração em seu nome, como confirmou seu Jair. “Originalmente, Esporte Clube Canto da Vila. Depois de um período de quase ‘encerramento' das atividades da equipe, no começo dos anos 90, a fusão com o S.E PQ dos Eucaliptos, a equipe passou a se chamar, Sociedade Esportiva Canto da Vila, com as cores bordô e branca, deixando felizes pontepretanos e bugrinos.”

Em 1978, ainda com uniforme preto e branco (Divulgação)

Em 1978, ainda com uniforme preto e branco (Divulgação)

DECISÕES

O resiliente torcedor do Canto da Vila se enche de orgulho de toda a sua história construída por eles mesmos. Mas há um fato que entristece até o mais apaixonado dos torcedores. A falta de um título na categoria de futebol amador, a principal divisão do futebol não profissional de Campinas.

E por pouco que isso não aconteceu em 1983 no estádio Moisés Lucarelli. O Canto da Vila chegou pela primeira vez à decisão da Liga Campineira contra o tradicional Clube da Rhodia. O empate por 0 a 0 no tempo normal levou a decisão para a disputa de pênaltis e deu Rhodia.

A equipe de Paulínia conquistou o seu segundo título amador de Campinas (o primeiro foi em 1981 contra o Nova Europa) e o Canto da Vila permaneceu na fila de jejuns de título.

Outra decisão perdida e sempre lembrada por seus torcedores foi a extinta Copa Passarela em 2004. Na finalíssima, Canto da Vila e Cruzeiro do Campo Belo. Praça de Esportes do São Bernardo lotada e vitória do Cruzeirinho. “O Canto da Vila jogou muito nesse dia e fomos prejudicados pela arbitragem. Fomos garfados”, relembrou o mais saudosista torcedor do Canto, Seo Jair.

Mas nem todas as lembranças são ruins. Apesar de nunca ter vencido a principal divisão do futebol amador de Campinas, o Canto da Vila tem uma extensa galeria de troféus em outras categorias, como juniores, veteranos e masters.

Em 1998 foram duas decisões na categoria Veteranos. A Copa Primavera e a Copa Verão. Os campeonatos foram organizados pela Liga Campineira. Na Copa Primavera, derrota para o E.C Bela Vista e na Copa Verão, o tão sonhado título, enfim chegou à Vila Bela. Vitória contra A.A Amizade e festa na comunidade.

GRANDES JOGADORES E CHAMPION LEAGUE

Nomes conhecidos do futebol profissional em Campinas já vestiram a camisa gloriosa do Canto da Vila. Evandro Roncatto, exjogador do Guarani, Petterson Thiago Martins ex-Ponte Preta, Botafogo-SP e Guarani, Leonardo Guilherme da Silva “Léo” exPonte Preta, Campinas e Internacional Limeira.

Um destes jogadores formados no Canto da Vila, o lateraldireito Rafael Scapini de Almeida, teve uma carreira internacional. Era funcionário da FUNCAMP e do Hospital das Clínicas da Unicamp, até que recebeu o convite para jogar na Finlândia.

As boas temporadas no futebol finlandês chamaram a atenção de outros clubes e outras ligas. No início da década de 2010, o Gent da Bélgica o contratou e logo na temporada seguinte, 2014/2015, foi campeão nacional, dando direito à disputa da Champions Legue no próximo ano.

Em 2016 na fase de grupos, o ‘garoto do Canto da Vila” enfrentou equipes tradicionais do futebol europeu, como Lyon, Valência e Zenit. Classificados para as oitavas de final da Champions, a equipe Belga parou no Wolfsburg, da Alemanha. Rafinha não esquece as origens e sempre que vem ao Brasil, não exita em visitar os amigos e ex-companheiros de Canto da Vila.

Rafinha - HJK Finlândia - Começou no Canto da Vila e chegou à Champions Legue em 2016 (Divulgação)

Rafinha - HJK Finlândia - Começou no Canto da Vila e chegou à Champions Legue em 2016 (Divulgação)

Hoje em dia, o Canto da Vila não disputa mais competições oficiais. Mantém a sua trajetória com amistosos aos finais de semana sob a responsabilidade de uma nova geração, como Erick, David, Bitelo e muitos outros, que ‘seguram a marimba’ e não deixam o Canto de lado.

Uma comunidade tão bela que assistiu a imponência do seu próprio povo e que até hoje não aceitou a mudança de nome, homenageando um militar. Um bairro que recebeu de braços abertos na Rua 3, hoje Rua Ataulfo Alves, a revolucionária Laudelina de Campos Melo, fundadora do primeiro Sindicato das Domésticas do Brasil.

O ativismo fundamental da Casa de Cultura Tainã e seu representante maior, Antônio Carlos da Silva, o TC e a resistente Rua Zoca. Uma comunidade que samba desde 1975 com a fundação da Escola de Samba Rosas de Prata, por seu Aloísio Geremias, e que tem no futebol sua outra grande paixão. Uma ‘Granada” de sentimentos como o gigante de mesmo nome te representa tão bem em dias atuais, mas que nunca esqueceu de aplaudir o verdadeiro “Canto de Uma Vila Bela”.

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