Thaís Sant’Ana e a emoção depois da conclusão da travessia (Daniel Righett)
A nadadora de Campinas Thaís Sant’Ana cravou, neste ano, seu nome na história da maratona aquática do Brasil. A atleta se tornou a 10ª brasileira a concluir a travessia do Canal da Mancha, uma das provas de resistência mais emblemáticas do mundo. No total, apenas 42 nadadores do país, entre homens e mulheres, já alcançaram o feito. Ela completou o percurso de aproximadamente 44,5 quilômetros em 11 horas 3 minutos e realizou um sonho que surgiu na adolescência, quando ainda dava suas primeiras braçadas em competições. Na comemoração, fez questão de passar uma mensagem.
“Essa conquista é um recado para todos, especialmente para outras mulheres: acreditem, reúnam as ferramentas necessárias para atingir suas metas e batalhem. Vocês podem construir e conquistar tudo o que quiserem", bradou a educadora física, que é capixada e professora da Sociedade Hípica de Campinas.
O primeiro contato de Thaís com o Canal da Mancha foi por meio de pesquisas e vídeos, mas na época ela via sua participação naquele desafio como algo muito distante. Em 2015, a nadadora teve a oportunidade de estar presente no local junto do seu técnico Samir Barel, que na época se tornou o 24º brasileiro a completar a travessia. Na ocasião, Thaís conheceu na prática uma das grandes adversidades do Canal da Mancha: a baixa temperatura da água. “Entrei e aguentei ficar apenas 2h30 lá dentro”, lembra ela, que ainda se considerava inapta para encarar a travessia, embora estivesse no ápice de seu rendimento, com participações frequentes em grand prix. “Mas em 2022 senti que era o momento certo de tomar a decisão e me inscrevi”, conta ela, que se preparou por dois anos para o desafio.
Em relação à preparação que Thaís costumava realizar, a diferença para a travessia do Canal da Mancha foi a busca por uma adaptação à água fria. Treinamentos em águas com temperaturas mais baixas e inserções em banheiras de gelo fizeram parte da rotina. Durante a prova, no entanto, os fatores de imprevisibilidade não raramente se sobrepõem. “O frio era o que mais me apavorava e, no fim, foi o menor dos problemas”, conta ela.
A largada aconteceu na cidade de Dover, na Inglaterra, e a chegada em Calais, na França. A temperatura da água estava entre 17,5˚C e 18,5˚C. A externa chegava a 15˚C no início e atingiu 25˚C no término do trajeto. De acordo com as regras da CSA (Channel Swimming Association), associação responsável por homologar o nado, a utilização de neoprene, uma roupa emborrachada de mergulho, é proibida durante a travessia. Thaís nadou apenas de maiô, touca e óculos de natação.
Treinador da Thaís, Barel relata que a estratégia adotada para que o nado fosse bem-sucedido foi a natação noturna. A largada aconteceu a 1h58 do dia 11 de agosto, um domingo. “Estudando as condições climáticas e características do local juntamente com nosso barqueiro, chegamos à conclusão que, na madrugada, iríamos cruzar com uma corrente única, o que provocaria menos desgaste físico e pouparia energia para o trecho final, que tem uma corrente forte e já bastante conhecida", explica.
O que faz do Canal da Mancha uma travessia tão famosa é o altíssimo nível de dificuldade para executá-la. Segundo estatísticas das instituições responsáveis pela travessia, apenas 8% dos cerca de 250 inscritos por ano para o desafio conseguem finalizar a prova. Uma das adversidades do local, segundo relatos de quem participa, é a forte correnteza, que impede o nado em linha reta, forçando o nadador a realizar uma "barriga", aumentando tanto a distância como o tempo para conclusão do trajeto. Mais próximo da França a corrente é ainda maior, afirmam os nadadores, o que exige força física e mental para superar o obstáculo. No caso da brasileira, foram 3 horas para ultrapassar esse trecho de aproximadamente 5 quilômetros.
Thaís ainda teve que lidar com outras adversidades, como o vento, variando de 5 a 12 nós, gerando um pouco de ondulação, além da baixa visibilidade tanto durante a natação noturna como a provocada pela intensa neblina nas primeiras horas do dia. No entanto, foi a luta contra o ataque de águas vivas um dos momentos de maior dificuldade da nadadora.
"Foi um período muito tenso. As águas vivas tinham tentáculos grandes, uma acabou pegando na minha perna, mas, estou bem”, diz a nadadora que hoje, aos 32 anos, lembra dela mesma, com 9, em sua primeira prova de águas abertas, e enxerga uma história de superação. “Recordo que acabei me perdendo, mas consegui chegar muito tempo depois do que todo mundo. Já na segunda prova não larguei por conta do medo. O mar estava revolto e não tive segurança para entrar na água. Minhas primeiras experiências não foram nada boas”, detalhe entre risos.
NÚMEROS DO CANAL DA MANCHA
Pioneiro: Matthew Webb (GBR): 21h45min (1875).
Primeira mulher: Gertrude Ederle (EUA): 14h39 (1926).
Recorde do percurso: Andeas Waschburger (ALE): 6h45min (2023).
Recordista entre as mulheres: Yvetta Hlavácová (CZE) - 7h25min (2006).
*Entre os brasileiros, 42 nadadores já concluíram a travessia: 10 mulheres e 32 homens.
Primeiro brasileiro: Abílio Couto - Ribeirão Preto/SP (uma vez em 1958 e 2x em 1959).
Primeira brasileira: Kay France - João Pessoa/PB (1978).
Ida e volta: Igor de Souza - 18h33min (1997).
Recordista brasileiro: Adherbal Treidler 8h49min (2015).
Recordista brasileira: Ana do Amaral Mesquita - 9h40min (1993).
Fontes: CSA (Channel Swimming Association) e CS&PF (Channel Swimming & Piloting Federation)
*Dados de 1875 até 28 de agosto de 2024
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