ZAGUEIRO BOM DE BOLA

Modesto, a muralha inesquecível

Aos 73 anos, ex-zagueiro, residente em Campinas, é a testemunha ocular dos tempos de ouro do futebol brasileiro

Esportes Já
08/05/2023 às 09:35.
Atualizado em 08/05/2023 às 09:36
O futebol trouxe aventuras, patrimônio, alegrias, dissabores e surpresas para o ex-zagueiro Modesto Malachias (Rodrigo Zanotto)

O futebol trouxe aventuras, patrimônio, alegrias, dissabores e surpresas para o ex-zagueiro Modesto Malachias (Rodrigo Zanotto)

O céu estava limpo. A campainha foi acionada e quem aparece é a cachorra vira-lata Laila. Não era hostil. Só queria abrir alas ao proprietário da residência no Jardim Estoril, o ex-zagueiro Modesto Malachias, de 73 anos e com muita história para contar. Não tinha pressa. Na parte frontal da casa, uma pequena mesa de ferro e um sofá eram a recepção para quem deseja ouvir as peripécias e feitos deste ex-jogador de 1,90 metro e que é nascido em Campinas. Após construir sua trajetória no futebol, ele retornou a terra natal e agora desfruta de tudo aquilo que lutou nos gramados.

Modesto não foge de nenhum tema. Encara os fatos do passado com galhardia e faz uma análise lúcida do presente. Tempos atuais que, aliás, mostram o quanto o Brasil não tem preservação em relação a sua memória e aos personagens do futebol que foi cinco vezes campeão do mundo. Modesto tem pouco contato com os companheiros do passado. A exceção é o pessoal dos tempos do Uberaba, em que atuou em 1975 e que lhe abriu as portas para a Seleção Brasileira e para o período de três temporadas no Atlético Mineiro. “Eles (ex-jogadores do Uberaba) faziam encontros, mas o rapaz que promovia os eventos faleceu. Ele vinha até em casa. Éramos amigos”, recordou, saudoso. “Deveriam valorizar a memória e o que viveu na minha época”, disse.

Para entender a vida, a história e os feitos de Modesto e seu papel no futebol brasileiro é preciso voltar no tempo. Tem que reconstruir na memória a Campinas das décadas de 1950 e 1960, que não era a metrópole de hoje, mas exercia o papel de importante celeiro do futebol brasileiro. Modesto foi criado nas imediações do Jardim Flamboyant, que na época de sua infância e adolescência tinha o apelido de “Fura Zóio” devido ao seu alto índice de violência em comparação com outras regiões da cidade.

Foi neste contexto que Modesto foi aprovado para atuar nas categorias de base do Guarani, em 1965, sob o comando de Zé Duarte. Após sete meses no Brinco de Ouro, o jogador foi transferido para a Macaca com a chancela do técnico. Paciência, didática, sabedoria e empatia eram os atributos que Modesto reconhecia no técnico campeão com a Ponte Preta na Divisão Especial (atual Série A-2) em 1969 e da Taça de Prata com o Guarani em 1981. “Ele gostava de fazer o jogador. Eu mesmo fui feito por ele. Quando cheguei eu não sabia me posicionar e marcar (como zagueiro)”, disse Modesto.

Zé Duarte foi o responsável por alterar o rumo de sua vida. Modesto atuava como lateral-esquerdo no time amador do Grêmio Taquaral e a equipe foi vice-campeã de uma competição local e o Guarani foi o vencedor. Depois, Modesto foi convocado para fazer parte da seleção da competição e no jogo desta equipe contra o Guarani, o então lateral chamou atenção. Tempos depois, ele foi fazer o teste no Guarani e Zé Duarte não teve dúvidas em opinar sobre as suas qualidades. “Ele me disse que com o tamanho que eu tinha eu não poderia ser lateral. Ele disse que eu deveria ser zagueiro. Eu fui e me dei bem”, disse o ex-zagueiro.

Após dois anos na Ponte Preta e uma contusão, o retorno aos gramados não foi satisfatório. Como o rendimento não atendeu as expectativas, Modesto foi dispensado. Após um tempo, o técnico Zé Duarte lhe proporcionou uma abertura para atuar no Corinthians, em que atuou por dois anos pela equipe de aspirantes.

Resiliência, determinação e a busca de protagonismo fizeram Modesto atuar com a camisa do Uberaba (MG). Ali, ele foi ídolo e viu as portas serem abertas para o paraíso de qualquer jogador de futebol, que era ser convocado pela Seleção Brasileira e conseguir uma transferência para uma potência do futebol brasileiro, no caso o Atlético Mineiro. Ser considerado o melhor zagueiro do estado de Minas Gerais por duas temporadas seguidas era o que faltava para virar protagonista. A consequência foi a convocação para a Seleção Brasileira para a disputa da Copa América de 1975. Camisa amarela no peito, e Modesto passou a ser alvo da disputa entre Atlético Mineiro e Cruzeiro por seu passe. O Galo Mineiro levou a melhor e a dupla com Vantuir fez história na terra das alterosas.

Dois anos de conquistas, glórias e reconhecimento que terminaram em 1978. Era a hora de buscar novos ares. E o futebol goiano foi o palco ideal para desbravar fronteiras. A parada inicial foi o Vila Nova (GO). Com jogadores experientes e garotos oriundos das categorias de base, Modesto sagrou-se campeão duas vezes e depois foi para o Atlético-GO em que ficou vice-campeão ao perder a final em 1979 para o próprio Vila Nova. Depois, como todo jogador da época, outras equipes passaram pela vida de Modesto: OperárioMS, Operário Várzea Grandense, quando foi vice-campeão do Campeonato Mato Grossense.

A parada ocorreu de jeito inesperado. E triste. Modesto tinha acertado com o Uberlândia e em um treinamento de dois toques, o treinador lhe acertou o joelho. O ex-zagueiro teve uma lesão e abandonou o futebol de alto rendimento. Tinha 31 anos. Não há mágoa ou ressentimento em Modesto. Ele percorre a casa, mostra as faixas de campeão e os pôsteres com orgulho. Sabe que tem uma trajetória impecável no futebol. Que nunca vai se apagar.

EX-ZAGUEIRO SABOREOU A JUNÇÃO DA MÚSICA COM O FUTEBOL

O futebol trouxe aventuras, patrimônio, alegrias, dissabores e surpresas para o ex-zagueiro Modesto Malachias. Nada supera talvez o ano em que ficou ligada a dupla sertaneja Milionário e José Rico.

Modesto conta que residiu em Goiânia por um bom tempo e montou um bar para tocar a vida. A nova reviravolta ocorreu quando Zé Rico, em visita à cidade, visitou o estabelecimento comercial de sua propriedade e foi apresentado. Na conversa, o cantor revelou a necessidade de contar com um profissional com o perfil de Modesto: alguém que conhecesse futebol e pudesse montar uma equipe que levasse a marca da dupla. “Ele me levou para a sua casa em Nova Odessa e morei na casa dele. “Nós montamos o time para ele”, disse.

A metodologia era simples. Em cada cidade em que a dupla fazia apresentações, a véspera do show era marcada por uma partida de futebol entre um time local e a equipe da dupla. O amistoso era uma oportunidade de promover o show que ocorreria no dia seguinte. “Os jogos ficavam lotados porque tínhamos muitos jogadores profissionais”, disse Modesto, que perdeu a conta das cidades que conheceu pelo Brasil por causa do projeto da dupla sertaneja.

A aventura com Milionário e José Rico durou um pouco além de um ano, quando recebeu convite do União Possense que disputaria a terceira divisão regional. “Eu não tinha contrato com o Zé Rico e então sai”, disse. Mas ficou a recordação de um bom tempo.

ATLÉTICO MINEIRO E O ORGULHO DE TESTEMUNHAR UMA EQUIPE HISTÓRICA

Chamar atenção com a camisa do Uberaba e ser convocado para a Seleção Brasileira em 1975 não é a única boa recordação de Modesto. A estadia no time do Atlético Mineiro é algo que lhe traz saborosas sensações, não somente pelos títulos conquistados, mas pela convivência com craques do porte do volante Toninho Cerezo, do centroavante Reinaldo, do goleiro João Leite e do atacante Marcelo Oliveira, hoje treinador de futebol.

Mais do que a emoção dos jogos, Modesto afirma que o cotidiano era prazeroso. “Quando eu cheguei, fiquei maravilhado porque fui muito bem recebido. Acho que até ficaram aliviados porque fui tirado do Uberaba que dava trabalho para eles. E eles me chamavam de pai, de paizão. A gente brincava muito. Era muito bom”, disse o ex-zagueiro.

Após um bom período como titular ao lado de Vantuir, o ex-zagueiro Modesto, hoje residente em Campinas, estava como reserva na final do Campeonato Brasileiro de 1977, quando o Galo Mineiro empatou sem gols contra o São Paulo no tempo normal e na prorrogação e depois sucumbiu na decisão por pênaltis pelo placar de 3 a 2. Na ocasião, Toninho Cerezo, Joãozinho Paulista e Márcio perderam as cobranças que decretaram a derrota em pleno Mineirão diante de 102.974 torcedores. “(Perdemos) mais na parte mental do que na técnica”, lamentou sobre o titulo que escapou por entre os dedos.

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