ESPECIAL- PARTE 2

Futebol campineiro e SAF: 'a melhor solução para retomar o protagonismo'

Professor Marcelo Weishaupt Proni, do Instituto de Economia da Unicamp, é estudioso do assunto e analisa atual momento do futebol brasileiro

Esportes Já
23/06/2025 às 15:45.
Atualizado em 23/06/2025 às 15:45
Flamengo e Palmeiras possuem alta arrecadação e podem protagonizar espanholização do futebol brasileiro (Cesar Greco/Palmeiras)

Flamengo e Palmeiras possuem alta arrecadação e podem protagonizar espanholização do futebol brasileiro (Cesar Greco/Palmeiras)

Marcelo Weishaupt Proni é um estudioso do futebol e de sua parte financeira. Professor do Instituto de Economia da Unicamp, sua obra “A Metamorfose do Futebol”, publicada em 2000, é uma referência para aqueles que acompanham as tendências da modalidade. Atualmente, é pesquisador do Centro de Estudos Sindicais e de Economia do Trabalho (CESIT), editor da Revista Brasileira de Economia Social e do Trabalho (RBEST) e coordenador associado do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas (NEPP) da Unicamp. O docente tem experiência de ensino e pesquisa nas disciplinas de desenvolvimento econômico, mercado de trabalho e políticas públicas. Também tem pesquisado e publicado estudos na área de economia do esporte. Nesta conversa com a reportagem do Esportes Já, ele mostra suas ideias a respeito do futebol brasileiro e o poder de transformação que faz a Sociedade Anônima do Futebol (SAF). Ele também analisa se existe risco do Brasil ter o mesmo cenário do futebol espanhol, que é monopolizado por três clubes, Barcelona, Real Madrid e Atlético Madrid. Confira. 

SAF E AS RESISTÊNCIAS 

M: Houve uma grande expansão da indústria do futebol no Brasil nos últimos 25 anos. Hoje, sem dúvida, os torcedores exigem uma gestão empresarial para que o seu clube possa ser competitivo. A resistência maior contra a conversão em SAF se deve ao medo do que pode acontecer quando um grupo econômico se torna "dono" do time. Há casos de sucesso (como aconteceu com o Botafogo-RJ) e casos de fracasso (como exemplifica o Vasco da Gama). Entre os conselheiros dos clubes também há muita resistência, pois a SAF significa perder o controle sobre o time. 

ACEITAÇÃO DE SAF 

M: Por isso, essa solução só é aceita quando a situação financeira é muito difícil e não há perspectiva de uma trajetória de conquistas com o modelo atual. Pode acontecer, inclusive, uma perda completa da identidade do clube, como aconteceu com o Bragantino, que se tornou outro clube, construindo uma nova história dentro do futebol. Mas creio que a maioria dos torcedores, conselheiros e diretores dos clubes no Brasil, atualmente, consideram positiva a possibilidade de conversão em SAF, com a condição de manter a identidade original e de obter garantias para além do pagamento das dívidas acumuladas. 

GUARANI E PONTE: SAF COMO SOLUÇÃO? 

M: No caso de Guarani e Ponte Preta, a conversão em SAF é a melhor opção para retomar o protagonismo que esses clubes já tiveram no cenário nacional, embora isso não seja garantido. Competir nas principais ligas (torneios) é muito caro, o que requer parceria com investidores. Esses dois clubes possuem um mercado potencial que pode ser melhor explorado e podem se tornar empresas rentáveis. 

OS PERIGOS INVISÍVEIS 

M: Mas é preciso tomar cuidado. Por exemplo, o Botafogo-SP se tornou SAF ainda quando estava na Série C, mas o atual dono do time não tem condições de fazer grandes investimentos em contratações. Então, o clube tem conseguido se manter na elite do futebol paulista e na Série B do Brasileiro, mas não tem protagonismo, não consegue fazer a sua torcida se alegrar e comemorar boas campanhas. O time tem lutado nos últimos anos contra o rebaixamento. Para que Guarani e Ponte tenham sucesso com a SAF é preciso atrair um grupo investidor de maior porte financeiro. 

CONTRIBUIÇÃO DA UNICAMP AO FUTEBOL CAMPINEIRO 

M: O Instituto de Economia da Unicamp não tem muito a contribuir nesse campo. Guarani e Ponte precisam de profissionais experientes e especializados em gestão esportiva, mas não encontrarão esses profissionais na universidade. Em todo caso, a troca de experiências é muito necessária. O atual reitor da Unicamp é professor de Educação Física e torcedor da Ponte Preta. Tenho certeza de que ele tem interesse em aumentar esse intercâmbio. 

LEI PELÉ: PROBLEMA OU SOLUÇÃO? 

M: O problema não foi a Lei Pelé, embora ela seja um divisor de águas, principalmente no que se refere à formação e venda de atletas. No caso de Guarani e Ponte, não sei se "decadência" é o melhor termo para descrever esse processo, apesar da situação atual. Creio que aumentou a concorrência e surgiram outros clubes do interior, que tiveram mais sucesso em determinado período. No início dos anos 2000, o São Caetano teve muito sucesso porque contava com o patrocínio da Consul e o apoio da Prefeitura da cidade. Outros clubes tiveram sucesso momentâneo ao longo desses 25 anos, como foi o caso do Ituano. O futebol-empresa é muito dinâmico. Para se manter na elite dos clubes nacionais é preciso uma estrutura financeira sólida, uma infraestrutura moderna e uma gestão competente. 

O FUTEBOL BRASILEIRO SERÁ ESPANHOLIZADO? 

M: A tendência à "espanholização" tem sido uma preocupação já há algum tempo. Mas o sucesso do Botafogo-RJ em 2024 parece ter mostrado que é improvável que isso ocorra no Brasil. Em todo caso, a concentração de receitas em poucos times é um fator que desequilibra as competições. O ideal seria ter uma liga que distribuísse o dinheiro dos direitos de transmissão de maneira mais justa. Mas tudo indica que essa concentração de receitas vai continuar aumentando nos próximos anos. Desse modo, é difícil que times como Guarani e Ponte voltem a ter o protagonismo que tiveram no passado, a nível nacional.

GRUPO DOS 12 GIGANTES VAI DIMINUIR, APONTAM ESPECIALISTAS

O fenômeno de uma possível espanholização é alvo de preocupação por parte de especialistas e estudiosos. Apesar de muitos afastarem a tendência de que apenas três clubes tenham predominância no futebol nacional, a perspectiva de diminuição do grupo dos 12 gigantes é algo real e que não pode ser apagada para alguns especialistas. “Não creio que teremos 12 gigantes, mas sim alguns gigantes e outros viáveis. Vai haver uma depuração, sim, que passa por qual modelo de gestão adotar. E esta é a pergunta que Ponte Preta e Guarani devem responder. Que caminho seguir: uma SAF com um plano sério e bem executado ou um modelo associativo moderno e com gente profissional no comando?”, disse Marcelo Toledo, professor de Marketing e Gestão Esportiva no Curso de Administração da ESPM 

Para o presidente da Pluri Consultoria, Fernando Ferreira, esse processo já está em curso e deve ser observado com atenção. “Já há hoje uma depuração daqueles 12 grandes, como se dizia no passado, os famosos. O Flamengo hoje já é um clube três vezes maior em faturamento em relação a um Santos, por exemplo, que também é um dos 12. Vai ocorrer um distanciamento entre os clubes, isso é natural, mas, mesmo assim, você tem espaço. Veja, com o futebol você não concorre com o público do outro. Cada clube tem o seu público. Quem for mais eficiente na busca de recursos do seu torcedor acaba tendo uma vantagem”, disse o executivo. 

Para ele, não há garantia de que Corinthians e Flamengo vão monopolizar as atenções e serem os maiores clubes em virtude do tamanho de suas torcidas, reconhecidas como as maiores do Brasil. “O Palmeiras, que é um clube que não tem uma torcida do tamanho de Corinthians e de Flamengo, ele, esse ano, fez uma receita semelhante, praticamente igual, à receita de Flamengo e de Corinthians, porque, por exemplo, foi muito eficiente na venda de jogadores”, disse.

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