Procura pelas aulas do projeto que teve início nos anos 90 no Clube Bonfim e se espalhou pela cidade aumenta
Copa impulsiona futebol feminino em Campinas (Divulgação)
A rotina era puxada. A rota na saída de casa até o destino incluía três ônibus e duas horas de trajeto. O percurso e período de tempo se repetiam na volta. A estudante Letícia tinha 12 anos de idade e o desgastante itinerário do bairro Vida Nova, periferia de Campinas, onde mora, até o clube Bonfim, local dos treinos, era compensado por uma paixão.
Hoje, Letícia Aparecida Guilherme de Souza segue como jogadora, mas também é coordenadora e técnica do projeto Futebol Feminino de Campinas. “Comecei com 11 anos”, lembra ela, hoje com 28. “Jogava com os meninos na rua e eles falavam dos treinos que aconteciam no Clube Bonfim. Aí me envolvi.” Por meio do projeto, ela se formou em Educação Física e cresceu junto com a estrutura da escola e o futebol feminino como modalidade no país.
Apesar das muitas dificuldades ainda pertinentes, o futebol feminino se desenvolveu e, aos poucos, sai da marginalidade e alcança visibilidade no Brasil. Em função do atual contexto, reforçado pela popularidade da seleção que está disputando a Copa do Mundo, na Austrália e Nova Zelândia, a procura pelas aulas no projeto de Campinas aumentou neste 2023 em 20% numa comparação com anos anteriores, segundo Letícia. Hoje, as atividades se estendem para o CT das Meninas, no Parque Tropical, e em outras praças de esportes, como no Parque Ecológico, Ginásio Rogê Ferreira e Academia Estação do Movimento. “Estamos atualmente com 50 a 60 jogadoras, incluindo todas as categorias, entre meninas a partir de 9 anos até mulheres de 50”, contabiliza Letícia.
A atacante Dandara, com passagens por Palmeiras, Red Bull e Ferroviária, deu seus primeiros passos na carreira por aqui (Divulgação)
O trabalho, aliás, vem de longe, e começou em meados dos anos 90 por iniciativa do professor Carlos Alberto Miyasada, o Maguila, que até hoje está à frente das atividades. “O Maguila sempre teve em mente que o futebol tem que ser praticado por mulheres. E em 1996, começou um movimento envolvendo mães de alunos e depois suas filhas”, lembra Letícia. A estrutura cresceu e ganhou apoio da Prefeitura, se tornando parte da tradição de Campinas dentro do futebol feminino, que já teve equipes fortes no Guarani e na Ponte Preta e técnicos formados na cidade, como Zé Duarte e Vadão, no comando da seleção brasileira.
Em competições, Campinas é representada nos Jogos Regionais, Jogos Abertos, campeonatos estaduais e Taça das Favelas. A lista de revelações é grande e inclui nomes como o da volante e lateral Ana Rafaela, que atualmente joga no Atlético Paranaense e já teve passagens por Austrália, Turquia e seleção brasileira sub-20, e a atacante Dandara, com passagens por Palmeiras, Red Bull e Ferroviária.
Apesar do crescimento da modalidade no Brasil e do projeto em Campinas, as dificuldades de sobrevivência do futebol feminino ainda persistem. “Aqui temos uma parceria com a Prefeitura, que garante bolsa atleta, mas não conseguimos a renovação com o Fiec neste ano”, explica Letícia, referindo-se ao Fundo de Investimento Esportivo de Campinas, que assegurava recursos para o desenvolvimento das atividades.
“O futebol feminino passa por lutas diárias, principalmente pelo fato de a maioria das meninas ser da periferia e não ter recursos”, relata Letícia. Por outro lado, a paixão pelo esporte segue como principal impulso e a Copa do Mundo, em curso, contribui para a motivação seguir em alta. “No último sábado, algumas meninas venceram o sono e se reuniram para assistir ao jogo do Brasil contra a França às 7 da manhã”, conta a jogadora, técnica e coordenadora. O encontro foi na Academia Estação do Movimento e contou com um recheado café da manhã.
Maguila, idealizador do projeto (Divulgação)