DESTINO

Uma campineira nascida para correr

Conceição Geremias não permitiu que as dificuldades atrapalhassem o sonho de se tornar uma atleta

Alison Ramalho Negrinho
07/08/2018 às 18:25.
Atualizado em 23/04/2022 às 05:04
Depois de parar de competir profissionalmente, Conceição Geremias partiu para a categoria master: "O atleta fazer despedida é muito doloroso" (Leandro Ferreira/AAN)

Depois de parar de competir profissionalmente, Conceição Geremias partiu para a categoria master: "O atleta fazer despedida é muito doloroso" (Leandro Ferreira/AAN)

Criada na roça, sem tênis, sapatilha ou grandes condições financeiras. As dificuldades se apresentaram ainda cedo na vida da campineira Conceição Geremias. Nada, entretanto, foi capaz de atrapalhar seu sonho de realizar aquilo que ela acredita ter nascido para fazer: praticar atletismo. Diferente das pistas em que dava show correndo ou saltando, a atleta não fugiu dos empecilhos, bateu de frente com o preconceito e brilhou, tanto quanto suas centenas de medalhas de ouro. Sexta filha em uma família com oito irmãos, Conceição contou com o apoio incondicional de seus pais. Ainda no colégio, já via aparecer os primeiros sinais do que o futuro tinha lhe reservado. “Desde que nasci estava caminhando para isso. Quando eu era criança, a brincadeira que mais me atraía era pular pauzinho e apostar corrida, só que eu nem imaginava que tivesse competição disso. Nas aulas de educação física da quinta série eu comecei a competir nos jogos escolares e nunca mais parei. Fui convidada para treinar atletismo em 1970 e faço isso até hoje”, contou. Seu talento apareceu naturalmente, só que também foi preciso muita força de vontade para triunfar. “No começo eu não tinha condução para ir aos treinos. Então precisava todo dia andar quatro quilômetros a pé até o ponto e lá pegar o ônibus que me levaria ao centro da cidade. Vez ou outra eu sofri discriminação, só que nada capaz de me abalar. Quando acontecia, eu não ligava." Aos poucos, as coisas melhoraram na vida de Conceição. Vieram os patrocínios e melhores condições para treinar. Com toda sua capacidade potencializada, o sucesso era iminente: foram três disputas de Jogos Olímpicos (Moscou-1980, Los Angeles-1984 e Seul-1988). Poderiam ter sido quatro, mas o Comitê Olímpico do Brasil (COB) a cortou da competição de 1976, em Montreal, no Canadá. "Fiquei muito frustrada, minha mãe sempre incentivando disse 'isso é preparação para uma coisa melhor', eu levantei a cabeça, treinei muito mais quatro anos e consegui índice para participar de três provas nas Olimpíadas. Claro que optei pelo heptatlo, que era a que eu tinha melhores condições.” A tristeza se tornou alegria ao finalmente participar do ciclo olímpico seguinte. "Das três, a Olimpíada mais marcante foi a primeira, porque busquei aquilo por dez anos, treinando com o objetivo único de estar lá”, explicou. Se nos Jogos Olímpicos a campineira não conseguiu subir ao pódio, a história foi diferente nos Jogos Pan-Americanos. Na edição de 1983, disputada em Caracas (Venezuela), ficou com o primeiro lugar do heptatlo, ao somar 6017 pontos. "Essa conquista é indescritível para mim. Primeiro que eu saí do Brasil e meu resultado era o quarto melhor dos Jogos, então eu não contava com a medalha, apenas pensei em dar o meu melhor. No decorrer da prova que eu vi que tinha possibilidade de ganhar. Explicar com palavras a emoção sentida é complicado.” Foram ainda outras várias medalhas de ouro, como em campeonatos sul-americanos e no Campeonato Ibero-Americano de 1983. Toda essa carreira brilhante foi reconhecida ao longo dos anos, mas em 2016 ela pôde carregar a tocha olímpica em Campinas. “Sempre que se fala em Olimpíada é o top. Foi uma emoção imensa receber o convite e conduzir", relembrou Conceição. Mesmo aos 62 anos, atleta se nega a deixar as provas Mesmo com 62 anos, a campineira não se considera uma ex-atleta. E também não é para menos. Depois de parar de disputar profissionalmente, Conceição Geremias partiu para a categoria master. Assim como antes, ela continua empilhando títulos e fazendo história. “Você não começa a competir no master, apenas continua. Então eu só migrei, disputava no adulto e fui para o master. Acho que durante dois anos fiz as duas categorias, mas depois você vai deixando”, disse. A escolha por esse caminho aconteceu para não seguir longe do esporte que tanto ama. “O atleta fazer despedida é muito doloroso. Então eu estou prolongando isso, o pessoal faz festa de despedida e só de ver os amigos se despedindo da pista me dava uma tristeza muito grande. Fui migrando para não sentir aquela coisa de encerramento. E vou continuar enquanto tiver forças", explicou. E se engana quem pensa que Conceição optou por praticar apenas uma modalidade. "De 1995 pra cá eu participo dos campeonatos de master e desde então em todos que participei eu ganho medalha de ouro. Mudo de prova sempre, então faço salto triplo, heptatlo...No último Mundial que participei na França ganhei ouro no arremesso de peso”, afirmou a atleta, que é decacampeã mundial master. Além disso, a campineira luta administrativamente com projetos de lei de incentivo, federal e paulista, para levar atividades físicas para o maior número de crianças possível. Ela também usa seu tempo livre para praticar vôlei adaptado. “É uma prática muito prazerosa, algo que gosto muito de fazer", disse Conceição, que já recebeu medalha de Honra ao Mérito, Diploma de Mérito Esportivo e prêmio Destaque Esportivo.

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