SOCIAL

Um golpe na adversidade

Projeto "Do Ringue Para a Vida" procura preparar crianças carentes para o futuro por meio do boxe

Alison Negrinho
10/08/2018 às 07:10.
Atualizado em 23/04/2022 às 05:29
O idealizador do projeto Lucas Soltermann junto com a menina Alissa durante treino: "Trata-se de uma ferramenta socioeducativa de inclusão social" (Thomaz Marostegam/Especial para AAN)

O idealizador do projeto Lucas Soltermann junto com a menina Alissa durante treino: "Trata-se de uma ferramenta socioeducativa de inclusão social" (Thomaz Marostegam/Especial para AAN)

Os olhos vidrados na televisão, a assustadora capacidade de utilizar os mais diversos aplicativos no celular e os dedos ágeis no controle do videogame não deixam dúvidas: o contato das crianças com a tecnologia está cada vez mais precoce e descontrolado. Entretanto, há lugares em que a realidade é diferente. No projeto social "Do Ringue Para a Vida", em Campinas, por exemplo, o tablet dá lugar às luvas e os computadores são trocados por atividades lúdicas. Por lá, o idealizador e professor de boxe, Lucas Soltermann, procura fazer com que seus alunos evoluam nos aspectos motores e cognitivos, mas também oferece a chance de um futuro melhor. A ideia é ajudar crianças carentes a partir dos 4 anos por meio da modalidade, oferecendo aulas gratuitas e, ainda que indiretamente, afastando-as da criminalidade.  

"Não tenho dúvidas de que o projeto é uma ferramenta socioeducativa de inclusão social e formação de líderes saudáveis na comunidade de crianças em situação de vulnerabilidade social. Desta maneira, podemos sim oferecer um caminho diferente do tráfico, do crime ou do uso de drogas."

Lucas Soltermann, criador do projeto.                       O INÍCIO DE TUDO O projeto social começou em 2016, quando um garoto procurou Lucas dizendo que tinha o sonho de ser lutador, mas que não possuía condições de pagar a mensalidade, porque trabalhava desde a perda do pai, aos 12 anos de idade, para ajudar no sustento de sua casa. Ciente de que haviam outras crianças em famílias com situações financeiras semelhantes, ele passou a acolher os pequenos. Hoje o projeto conta com 18 alunos, entre crianças e adolescentes, que treinam duas vezes por semana.

"Para os que são mais novos nós focamos na parte lúdica, do boxe como um jogo, sem impacto e mais com exercícios de tocar no outro e não ser tocado. São brincadeiras que desenvolvem a prontidão, agilidade, postura, equilíbrio e lateralidade. "

                      O professor destacou que são trabalhados conceitos básicos de anatomia, como o que é uma articulação, um osso, órgão ou músculo, e também explicou que a prática da modalidade é capaz de resultar em diversos outros benefícios relacionados com a consciência corporal, tomada de decisão, respeito de limites e regras, e superação da ansiedade. Os treinos mudam conforme os alunos ficam mais velhos. Passam a ser praticados bloqueios, esquivas, ações defensivas e ofensivas, sempre respeitando os limites para que nenhuma etapa seja atropelada e a criança possa manter uma evolução constante.

"Trabalhamos o repertório motor e a parte cardiovascular para o desenvolvimento saudável. As capacidades são adquiridas através de jogos educativos de atletismo, esportes coletivos e noções de ritmo."

                       VIOLENTO? NADA DISSO Muitas vezes, a prática do boxe é vista por leigos como algo violento. Lucas, entretanto, acredita que trata-se de um conceito errado. Ele conta que existe uma série de regras, os atletas estão em condições iguais de luta e há um árbitro para garantir a integridade física dos participantes. Para o professor, no futebol, por exemplo, os jogadores se lesionam mais e de forma mais contundente. Enquanto ajuda nos sonhos das crianças, Soltermann também sonha. Sem patrocinadores, ele busca por colaboração para melhorar a estrutura oferecida. Lucas explica que falta apoio e que atualmente fornece todo o material para as crianças.

"Já procuramos inúmeros locais oferecendo nossas aulas de forma gratuita e não conseguimos. Também falta ajuda para os equipamentos. Precisamos de luvas, cordas, entre outras coisas para todos os pequenos."

                      Os interessados em colaborar com o projeto social Do Ringue Para a Vida podem entrar em contato através do facebook oficial da academia Boxe Campinas https://www.facebook.com/boxecampinas/.   PSICÓLOGA DESTACA ATIVIDADE ESPORTIVA Com o passar dos anos, a prática de atividades físicas por parte das crianças se tornou cada vez mais rara. Isso acontece por diferentes motivos, como o medo dos pais de deixarem seus filhos na rua por conta da violência dos dias atuais, e também a praticidade que os equipamentos eletrônicos apresentam. Contudo, a doutoranda e mestra em psicologia da educação na Unicamp, Ana Lúcia Meneghel, explica que realizar esportes ainda nos primeiros anos de vida traz vários benefícios. Segundo ela, as crianças têm ficado muito mais tempo nos aparelhos eletrônicos de tela, deixando de lado atividades físicas que são essenciais para a saúde e o desenvolvimento, inclusive nos primeiros seis anos.  

"A primeira infância é conhecida como um período decisivo para a adoção de hábitos de vida saudáveis. Nessa fase, a atividade estimula o desenvolvimento das habilidades motoras."

Ana Lúcia, mestra em psicologia.                     Ressaltando que o "brincar" consiste num importante recurso para a criança conhecer o ambiente em que está, Ana Lúcia afirmou que durante os exercícios realizados de maneira lúdica, a interação entre pares e com adultos permite descobertas e a compreensão do mundo. Ainda segundo ela, estão deixando de brincar, explorar e de realizar trocas de experiências. A psicóloga diz que por não vivenciar conflitos quando crianças, os relacionamentos serão preocupantes. 

"Eles não darão conta de se colocar no ponto de vista do outro. Com certeza também terão dificuldades em relação à paciência e ao tempo."

CONTROLE DA TECNOLOGIA A doutoranda também falou sobre o uso correto dos aparelhos eletrônicos pelos pequenos. Segundo ela, existem tempos certos conforme as crianças crescem, para que não afete em seus desenvolvimentos.

"Até os 5 anos, as crianças só deveriam ficar no máximo uma hora diante das telas, e o tempo aumenta para duas horas para as que tem de 6 a 12 anos."

                      Por mais que as crianças usem a tecnologia cada vez mais cedo, Ana Lúcia disse que o maior problema é o excesso de horas que elas ficam em frente das telas, e que isso deveria ser melhor controlado pelos pais.

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