Era uma quarta-feira à noite e o estádio de Vila Belmiro recebia 20.258 pagantes, todos cientes de que seriam testemunhas de um instante mágico do futebol
Pelé ajoelha no gramado da Vila Belmiro na partida que marcou sua despedida do futebol brasileiro, antes de seguir para se aventurar nos Estados Unidos. A equipe da Ponte Preta foi a escolhida pelo Rei para marcar esse ponto de ruptura em sua carreira esportiva, no dia 2 de outubro de 1974 (Pesquisa William Ferreira Cedoc Rac)
Edson Arantes do Nascimento, o Rei Pelé, escolheu o dia 2 de outubro de 1974 para marcar a sua despedida dos gramados brasileiros. Era uma quarta-feira à noite e o estádio de Vila Belmiro recebia 20.258 pagantes, todos cientes de que seriam testemunhas de um instante mágico do futebol. Aos 22 minutos do segundo tempo, a emoção tomou conta. Pelé ajoelhou-se no centro do gramado e abriu os braços em sinal de agradecimento. Ao seu redor, além dos companheiros do Santos, os 11 jogadores da Ponte Preta, personagens de um fato que completa 50 anos hoje.
Na ocasião, o zagueiro Oscar, um jovem de 20 anos, teve a missão de marcar Pelé. Confessaria, anos depois, que ao cumprimentar o Rei, teve vontade de pedir a camisa 10 para guardar como recordação daquele momento histórico, mas sentiu vergonha. E fez bem, porque o Rei guardou o que se tornaria uma relíquia para si. O primeiro cumprimento recebido pelo maior craque da história do futebol foi de um pontepretano, Valtinho, com um abraço.
Em relação à despedida do Rei do Futebol, era preciso adotar esmero nos preparativos. Atual primeiro vice-presidente da Ponte Preta, Marcos Garcia Costa fazia parte da diretoria, na época comandada por Rodolpho Pettená. Ele confirma a emoção presente no clube nos dias anteriores ao confronto. A delegação, que saia no dia do jogo para Santos, estava mais lotada que o habitual.
Lauro Moraes, anos depois eleito presidente, era o chefe de delegação e alguns integrantes da Diretoria Executiva, que não ligavam para os jogos realizados longe de Campinas, dessa vez não queriam perder a chance de ver o Rei pela última vez. “Eu não acompanhei a delegação porque no dia seguinte tinha uma prova para aceitação dos meus créditos de pós-graduação na Unicamp. Mas acompanhei tudo pelo rádio”, disse o atual dirigente pontepretano.
Todos, segundo Marcos Garcia Costa, viveram o momento com intensidade e por um motivo: tudo conduzia ao fato de que Pelé, ao encerrar a carreira no Brasil diante da Ponte Preta também queria prestar uma homenagem à própria Alvinegra, considerada desde aquela época, o clube mais velho do Brasil. “Ele tinha a tabela na mão e podia escolher com quem jogar. E escolheu a Ponte Preta”, disse o atual dirigente. O Santos venceu o confronto por 2 a 0. Os gols foram marcados por Cláudio Adão, aos 30 minutos do primeiro tempo, e por Geraldo, aos 11 minutos do segundo tempo.
Falecido em 29 de dezembro de 2022, Pelé encaminhou declarações para mostrar o quanto era grato por viver aquela oportunidade. “Eu me lembro de ter ajoelhado no campo após a partida, com emoções mistas, pois aquele capítulo da minha carreira profissional no Brasil tinha chegado ao fim. Estendi meus braços para abraçar a Deus, assim como meus familiares, amigos e fãs. Tantas pessoas viajaram de vários lugares do país para torcer para mim uma última vez”, disse o Rei do Futebol, na comemoração dos 40 anos de sua despedida, em 2014.
Professor de história da PUC-Campinas e especialista na história da Ponte Preta, José Moraes dos Santos afirma que, em determinada ocasião, ao conversar com o próprio Rei do Futebol, arrancou dele os motivos que o levaram a escolher a Ponte Preta como adversário da despedida dos gramados brasileiros. “‘Era o time de futebol mais antigo em atividade do Brasil, o que representaria o nascimento do futebol no país contra o Rei do Futebol.’ Foi o que ele me explicou”, disse o professor de história da Puc.
Pelé já tinha 34 anos e havia se despedido da Seleção Brasileira três anos antes. Ao final da partida contra a Ponte Preta, ainda deu a volta olímpica com os olhos cheios de lágrimas. Tempos depois, ele defenderia o Cosmos, dos Estados Unidos, antes de encerrar a carreira definitivamente.
CURIOSIDADES
A partida de despedida contra a Ponte Preta tem suas curiosidades. O técnico santista na ocasião era Elba de Padua Lima, o Tim, que colocou o jovem Gílson Fidalgo Salgado, o Gílson BeijaFlor, em campo. Anos depois, de acordo com publicação de Guilherme Guarche, do Centro de Memória e Estatística do Santos, Gílson foi eleito vereador no Guarujá e foi o autor do pedido de interdição da mansão que o Rei estava construindo na Pérola do Atlântico. A alegação era de que a obra realizada teria avançado em um terreno público ao lado de sua casa. Após entendimentos, Pelé construiu uma creche em Vicente de Carvalho e doou-a à Prefeitura, como forma de compensar o espaço usado.
Como uma espécie de ídolo que se recusa a abandonar o palco, Pelé vestiu a camisa do Santos mais duas vezes. A primeira, em 1975, em uma partida de exibição contra o Bahia, em Salvador, e em 1977, quando Santos e Cosmos programaram uma despedida para Pelé e ele defendeu um clube em cada tempo,
FICHA TÉCNICA
SANTOS 2 X 0 PONTE PRETA
SANTOS - Cejas; Wilson Campos, Vicente, Bianchi e Zé Carlos; Léo Oliveira e Brecha; Da Silva, Cláudio Adão, Pelé (Gílson) e Edu.
Técnico: Tim
PONTE PRETA - Carlos; Geraldo, Oscar, Zé Luís e Valter; Serelepe e Serginho; Adílson, Valtinho (Brasinha), Valdomiro e Tuta.
Técnico: Lilo
Gols: Cláudio Adão (44-1); Geraldo (10-2, contra).
Público: 20.258 pagantes
Renda: Cr$ 219.371,00
Árbitro: Emídio Marques Mesquita.
Local: Estádio da Vila Belmiro, em Santos, SP.
Data: 02/10/1974, quarta-feira, 21h00.
Competição: Campeonato Paulista - 1º turno - 12ª rodada (penúltima)
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