(AFP)
Demorou muito, mas parece que o Flamengo finalmente descobriu o seu tamanho no futebol brasileiro. Ao perceber que sua marca é uma máquina de fazer dinheiro, a atual diretoria montou um time histórico na temporada 2019. Depois de conquistar o Brasileirão com enorme facilidade e voltar a erguer o troféu da Libertadores, o clube percebeu como seu enorme poder de arrecadação pode ser transformado em títulos. Ao se enxergar gigante, o Flamengo levou as negociações com a TV Globo a outro patamar. Durante décadas, o rubro-negro se ajoelhou diante da emissora. Constantemente endividado e com uma diretoria pior do que a outra, o Flamengo era apenas uma mina de ouro para a emissora, que sempre faturou muito com a enorme audiência de seus jogos. Como era extremamente dependente dos direitos de transmissão e muitas vezes precisava antecipar cotas para cobrir os rombos em suas finanças, o Flamengo não via a Globo como uma parceira comercial, para quem vendia um produto valioso. A emissora era a tábua de salvação de um clube que não apresentava resultados compatíveis com o seu tamanho. Assim, todos os contratos eram fechados em um clima de harmonia. O Flamengo não negociava. O Flamengo agradecia. A atual diretoria destruiu essa relação de subserviência. No comando de um time avassalador, capaz de atrair 50 mil pessoas ao Maracanã até em jogos pequenos do Carioca, o presidente Rodolfo Landim deixou de ver a Globo como uma empresa a quem devia favores e gratidão eterna. O Flamengo passou a exigir valores que considera compatíveis com sua audiência e relevância. E a antiga parceira se transformou em um inimigo declarado. O Flamengo não vendeu os direitos de transmissão de suas partidas no estadual. Foi o único que não assinou o contrato, decisão inimaginável para os demais clubes — inclusive Vasco, Fluminense e Botafogo, todos extremamente dependentes da TV. Além de não assinar o acordo, o Flamengo foi a Brasília para trabalhar nos bastidores. Conseguiu com o presidente Jair Bolsonaro uma medida provisória que lhe dá o direito de vender os direitos das partidas em que for mandante no Estadual (no Brasileirão, o contrato em vigor vai até 2024). A manobra equivale a uma declaração de guerra. A Globo já foi à justiça com o argumento de que, como tem contrato com todos os outros times, nenhum jogo do Flamengo pode ser exibido por outra emissora ou pelo canal do próprio clube na internet. Não sabemos qual será o desfecho dessa batalha jurídica. Mas está evidente que vivemos uma nova era na relação clubes-TV. O Palmeiras, outro que já consegue andar com as próprias pernas, também já endureceu negociações recentes com a emissora. O Athletico fez o mesmo. Notem que o Corinthians - único clube brasileiro que pode ser comparado ao Flamengo em termos de potencial de arrecadação — segue de joelhos diante da emissora com a qual deveria negociar de igual para igual. Isso acontece porque o tricampeão paulista está com sérios problemas financeiros. Não pode negociar, apenas agradecer. Flamengo e Palmeiras criaram uma nova realidade e vão mudar o modo de se ver futebol pela TV no Brasil. Não cabe aqui debater se isso será bom ou ruim para emissoras, clubes e torcedores. A questão é que muita coisa vai mudar, qualquer que seja o desfecho dessa guerra declarada entre ex-aliados. Carlo Carcani é coordenador de esportes do Grupo RAC E-mail: [email protected]