DESAFIO

Especial: Educação em Xeque

A falta de qualidade do ensino na região tem feito crianças irem adiante em suas escolas sem saberem ler, escrever e fazer contas de forma satisfatória

Inaê Miranda
inae.miranda@rac.com.br
01/04/2013 às 11:00.
Atualizado em 25/04/2022 às 22:18

Expedito Corrêa da Silva orienta o neto, W.C., de 13 anos, a fazer a lição de casa em Campinas: "a gente conversa e diz que ele vai conseguir" (Edu Fortes/AAN)

Apenas dois em cada dez alunos do 9º ano do Ensino Fundamental público têm o aprendizado adequado em matemática na Região Metropolitana de Campinas (RMC). Os dados foram apresentados pelo Movimento Todos pela Educação, com base nos resultados da Prova Brasil e do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) 2011. Dos 19 municípios da região, apenas Artur Nogueira, Holambra e Vinhedo conseguiram cumprir a meta 3, em matemática, estabelecida pelo movimento, que prevê todo o aluno com aprendizado adequado à série. Os dados são ainda mais alarmantes em Engenheiro Coelho, onde 92% dos estudantes do 9º ano estão com o desempenho abaixo do esperado.

O relatório do movimento apresentou a evolução do aprendizado em português e matemática nos 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, por regiões, estados e municípios. A média nacional aponta que 27% dos alunos têm o aprendizado esperado em português e 16% em matemática. Apesar de aparecer um pouco acima da média nacional, o fracasso escolar, nas duas disciplinas do 9º ano, também é visível na RMC. Em português, 35,7% dos alunos da região tiveram o desempenho adequado. Em matemática, esse número corresponde a 19,7%, o que significa que 80% dos alunos chegam ao Ensino Médio sem o aprendizado ideal.

A deficiência na aprendizagem em matemática está mais clara nos municípios de Engenheiro Coelho (7,2%), Campinas (11,6%) e Hortolândia (12,5%). A meta estabelecida para esses municípios são 16,1%, 24,3% e 21,9%, respectivamente. 'Em Engenheiro Coelho, os alunos estão terminando o 9º ano basicamente com nenhuma aprendizagem em matemática. Depois, esse aluno só terá três ano do Ensino Médio para estudar essa disciplina, que exige o domínio dos conhecimentos básicos antes de avançar' , afirmou Andréa Bergamaschi, gerente de projetos do Movimento Todos pela Educação. Apenas Vinhedo, Holambra e Americana conseguiram alcançar a meta estabelecida.

A evolução do aprendizado também foi traçada no 5º ano do Ensino Fundamental, em que os índices são um pouco mais animadores. Dos 19 municípios da RMC, apenas Campinas não conseguiu atingir a meta. O índice esperado em matemática para a série era 41,7%, mas só 38,8% dos alunos alcançaram bom desempenho. Na ponta dos municípios que obtiveram excelentes resultados estão Holambra, onde 80,9% das crianças terminam o 5º ano sabendo o que precisam saber em matemática, e Jaguariúna, com 74%. Em português, 13 dos 19 municípios conseguiram atingir a meta no 5º ano.

A gerente de projetos do Movimento Todos pela Educação reforça que nos anos iniciais os números são positivos, o que é uma tendência nacional. 'Em geral, o desempenho do 5º ano, tanto na região como no Estado de São Paulo e no Brasil, tem evoluído. A gente tem mantido o ritmo de desempenho. Estamos conseguindo identificar como trazer a qualidade para o Ensino Fundamental. Os nossos grandes desafios são os anos finais do Ensino Fundamental e o Ensino Médio' , ressaltou Andréa.

Ela considera que nos anos finais, os alunos passam por uma série de mudanças na vida pessoal e escolar e que as especificidades da fase precisam ser levadas em conta. 'É uma fase importante de transição da vida escolar do aluno e não estamos conseguindo atender as demandas específicas. A criança que não termina o Ensino Fundamental bem, fica com o aprendizado comprometido no Ensino Médio' , disse. Os indicadores por município no Ensino Médio foram apresentados apenas por regiões e estados brasileiros, pois a prova é aplicada nesta etapa do ensino apenas por amostragem. Já no Ensino Fundamental a prova é universal.

Problema surge nos primeiros anos

Apesar de a região apresentar índices positivos nos anos iniciais do Ensino Fundamental, a raiz da defasagem em matemática pode estar na Educação Infantil. Segundo a especialista em psicologia da educação Andréa Patapoff, as lacunas deixadas nesta fase do ensino têm reflexos mais tarde. “Quando falamos em matemática, falamos em estrutura lógica. Existe um processo de construção das estruturas que começa na primeira infância e que as escolas acabam não trabalhando de maneira adequada, deixando lacunas. Lá na frente, quando precisa dessas estruturas, o aluno não dá conta, porque falta algo”, diz. Além do baixo desempenho em matemática, o desenvolvimento inadequado das estruturas lógicas vai apresentar reflexos em todos os aspectos do conhecimento. Um estudo feito no Laboratório de Psicologia Genética da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) com alunos da Educação de Jovens e Adultos (EJA) mostra que a lógica de muitos deles pode ser comparada a de crianças de 9 ou 10 anos. “Esse adulto é fruto da uma educação que teve. E percebemos que ele está muito vulnerável cognitivamente falando. Não que não tenha condições de resolver problemas práticos. Mas a qualidade da resolução nem sempre é adequada, porque relações lógicas entre as coisas não são feitas”, afirma Maria Belintane, uma das pesquisadoras.

Ela ressalta que esse adulto é fruto de um conjunto de falhas na aprendizagem que vem desde a Educação Infantil, onde prevalecem as atividades em folha de papel, o que empobrece o aprendizado. Para ela, o correto seria incluir atividades como jogos cooperativos, jogos orientados e práticas para a criança comparar e classificar.

‘Não sei ler, nem escrever’

Não é difícil encontrar nas escolas de Campinas alunos do Ensino Fundamental com dificuldades para ler, escrever e fazer contas. W.C., de 13 anos, que cursa o 7º ano, é um dos exemplos. Com dificuldade, ele identificou como “zamégo” um refrigerante da marca Xamego que levava nas mãos. “Não sei ler, nem escrever direito. A ‘dona’ como ele chama a professora) me ajuda a fazer a lição”, conta. W.C. repetiu o 4º ano e, mesmo sem saber ler e fazer contas, chegou ao 7. O avô diz que o garoto morava com a mãe, que trabalhava fora e não conseguia ajudar.

Desde o início doano, ele vive com os avós e com a tia. “Ele chegou muito atrasado. A minha filha ajuda com a lição. Cobra leitura. Às vezes ele tem preguiça, começa a chorar, diz que não sabe, mas a gente conversa e diz que ele vai conseguir, que todos têm dificuldade”, disse o avô, Expedito Corrêa da Silva.

Além do apoio em casa, W.C. está tendo ajuda na Escola Estadual Washington José de Lacerda Ortiz, onde estuda. “Quando tem aula vaga porque a professora falta, a diretora me ajuda na leitura”, diz o garoto.

No 7ºano do Ensino Fundamental, ele deveria, no mínimo, para especialistas, conseguir resolver as quatro operações, ler textos narrativos e escrevê-los. “A partir do 1º ano, a criança já deveria estar alfabetizada. Ao final de uma boa alfabetização, ela já consegue ler e escrever pequenos textos”, diz a doutora em educação Maria Belintane. “Será que as dificuldades são dele ou do sistema educacional?”

A cidade de Campinas não conseguiu atingir as metas do relatório do Movimento Todos pela Educação tanto no 5º como no 9º ano do Ensino Fundamental em português e matemática. A Secretaria de Educação de Campinas admite que os indicadores não são satisfatórios, mas diz que os números estão próximos da realidade nacional e que está desenvolvendo com base no Ideb, na Prova Brasil e na Prova Campinas, parâmetros para identificar as escolas com melhores resultados e práticas para então aplicá-los às instituições com desempenho insatisfatório.

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