APRENDIZADO

Esalq oferece curso de jardinagem para cegos

Em Piracicaba, de acordo com dados do último Censo, existem 925 pessoas com deficiência visual total

André Luís Cia
19/05/2013 às 05:48.
Atualizado em 25/04/2022 às 15:37
Marilene diz que depois da perda da visão, ela desenvolveu mais outros sentidos, como o tato  (Del Rodrigues)

Marilene diz que depois da perda da visão, ela desenvolveu mais outros sentidos, como o tato (Del Rodrigues)

Delicadamente, como se quisesse explorar mais as sensações daquele momento ela tocou no botão de uma rosa. No início, o toque foi sutil, mas, aos poucos, se transformou conforme foi adquirindo liberdade e confiança. Ela sorriu, se emocionou e os sentimentos ganharam intensidade. Deficiente visual há cinco anos, Marilene Benedetti Thomazini, de 64 anos, encontrou em um curso de jardinagem para cegos na Esalq, o passaporte para um mundo de novas descobertas. Em Piracicaba, de acordo com dados do último Censo, existem 925 pessoas com deficiência visual total (não enxergam nada), 8.581 com grande dificuldade e 46.002 com alguma limitação.

Marilene perguntou ao professor a cor da flor. Após ser informada que se tratava de um rosa escuro, revelou que era linda. Mesmo sem poder vê-la com os olhos materiais, disse que conseguia imaginá-la com os "olhos da alma" e com as memórias do passado que nunca morreram, já que sua deficiência foi gradativa. "É muito mais difícil entender porque antes eu conseguia ver todas as coisas e, de repente, tudo mudou".

Esta semana, a convite da Gazeta, ela foi levada a um jardim da Esalq, pelo professor e coordenador do curso, o estudante do último ano de Agronomia João Sapucaia. O objetivo era demonstrar um pouco do que é realizado durante as aulas práticas do curso.

O belo jardim, repleto de rosas é convidativo para quem gosta de natureza e, principalmente, para quem é apaixonado por flores e plantas. O espaço, anexo ao Museu, deverá ser, em breve, utilizado pelos alunos do curso de jardinagem durante uma aula expositiva sobre poda.

Marilene mora há oito anos em Piracicaba. É professora, mas está aposentada por invalidez. Ela conta que teve um problema nos olhos conhecido como retinose pigmentar, que a levou à cegueira total. A retinose é uma doença hereditária que causa degeneração da retina. "Foi e ainda é muito difícil porque antes de perder a visão eu era muito ativa. Eu trabalhava, dirigia e morava sozinha. Tinha a minha liberdade e acabei perdendo tudo isso". A adaptação à nova realidade não foi fácil. Marilena diz que teve que deixar a casa onde morava e mudar-se para o Lar dos Velhinhos, já que a maioria dos parentes mora em Sorocaba.

No local, reaprendeu a viver depois de ser apresentada à ONG Avistar. No momento, está aprendendo a ler no sistema Braille (para deficientes visuais), faz aulas de ginástica e diz que sua vida mudou após começar o curso de jardinagem. "Eu sempre gostei muito de mexer com plantas, mas as que tinham em casa nunca iam para frente. Hoje estou feliz porque já conquistei avanços importantes".

Marilene confirma uma teoria defendida por muitos especialistas: a de que quando uma pessoa perde um dos sentidos do corpo humano (tato, visão, olfato, paladar ou audição), consequentemente, os outros sentidos ficam mais aguçados. Em seu caso, ela diz que a falta de visão fez com que ela se tornasse mais sensitiva no tato e no paladar. Uma das coisas que a ajudou nesse processo de readaptação foi o auxílio de uma muleta, que lhe devolveu a segurança para se locomover sozinha. "Apesar das dificuldades, hoje, consigo me virar bem sozinha".

Foi exatamente com a ajuda do acessório, que Marielene conseguiu caminhar livremente pelos corredores do jardim da Esalq, sob orientação do professor João. Ela sonha em voltar a enxergar um dia e trabalhar como voluntária em algum projeto social. "Quem sabe, ainda não vou passar o meu aprendizado para outras pessoas?"

APRENDIZADO

O estudante de agronomia João Sucupira teve a ideia de ministrar um curso de jardinagem após ter realizado uma exposição sensitiva no Museu da Esalq:o Jardim Sensorial. Para isso, conheceu o trabalho da Avistar e se tornou um voluntário. Assim, surgiu a ideia de criar o curso. Dividido ente aulas teóricas e práticas, os alunos têm noções básicas das plantas, do solo, da compostagem, poda até montagem de um jardim. Atualmente, sete alunos da Avistar participam da atividade. Sucupira explicou que fará seu TCC (Trabalho de Conclusão de Curso) sobre esse tema.

"Eu aprendo a cada dia com eles. São experiências que vou levar para a vida toda", revelou. Ele diz que o mais impressionante no relacionamento que tem tido com os alunos (deficientes visuais) é a sensibilidade e a capacidade perceptiva de cada um. "Eles não veem a mesma imagem que nós vemos, mas conseguem vê-la através do coração e das imagens sentimentais. É um outro tipo de visão muito peculiar. Tem sido uma experiência fantástica e já tenho planos de outros módulos".

Assuntos Relacionados
Compartilhar
Correio Popular© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por