Assim é 'Vai que Dá Certo', filme de Maurício Farias em cartaz nos cinemas
Cena do filme brasileiro 'Vai que Dá Certo', que tem direção de Maurício Farias (Divulgação)
As imagens iniciais de um bando de homens jogando pelada, falando besteiras e se agredindo na base da brincadeira em 'Vai que Dá Certo', filme de Maurício Farias que estreou esta sexta-feira (22) nos cinemas, acende o alerta laranja: estamos diante de mais um exemplar de comédia brasileira monotemática (sobre sexo), apelativa e repleta de humor grosseiro. Felizmente, o alerta é falso.
Com uma e outra dispensável escatologia (ou não seria comédia brasileira), o filme se mostra bem arquitetado comédia de erros ao narrar o reencontro de quatro amigos de adolescência na festa em que evidencia o tamanho do fracasso profissional deles.
A partir de história real (sujeito íntegro se envolve em assalto), o cineasta criou argumento em que pessoas e situações parecem de verdade — ainda que cinema seja apenas representação da realidade. Há o músico fracassado Rodrigo (Danton Mello), dois irmãos (Fábio Porchat e Gregório Duvivier) que sobrevivem de loja pangaré de games com apenas um cliente, e professor de inglês (Felipe Abib).
Afeiçoamo-nos ao grupo porque há ingenuidade evidente nos personagens, pessoas dispostas a superar os obstáculos, porém impedidas pelas circunstâncias. Aqui reside a principal força do filme: a capacidade de fazer o espectador acreditar que os personagens são de carne e osso — e isso faz toda a diferença em relação a outras comédias nacionais recentes.
O plano começa com o encontro do músico e seu tio (Lúcio Mauro Filho), que trabalha como motorista de transportadora de dinheiro. Assaltar o carro-forte resolveria o problema de todos. Sem serem ladrões profissionais, a trupe cai facilmente numa armadilha. Ao se darem mal, precisam pagar a dívida contraída, mas também se dão mal.
O roteiro se apoia em crítica lugar-comum, porém a fundamenta bem no modo como narra a história a partir de algumas constatações: os demasiados lucros dos bancos, a corrupção policial, a violência dos traficantes e a canalhice dos políticos — quarteto de disposições que poderia ser sintetizado como os “males do Brasil são”.
Como a premissa de que não é pecado roubar ricos esbarra nos policiais desonestos e nos traficantes brucutus, a opção é imitar as ações dos políticos e se apropriar do bem público. Estabelece-se, portanto, uma batalha entre o poder (econômico, o constituído e o paralelo) de um lado e os azarados pé-rapados de outro. Porém, se os poderosos são execráveis, o povo (representado nos quatro rapazes) é, igualmente, venal. Portanto, condenável.
Eis um ponto de inflexão interessante: adoramos falar mal de políticos, polícia e traficantes (com razão). Mas na primeira oportunidade que o bom rapaz Rodrigo (nós) tem de praticar uma contravenção ele não titubeia. Claro, estamos na comédia e não há muito espaço para reflexões, mas um dos atributos do humor é a crítica aos costumes.
E a direção fez bem em fugir aos clássicos cristos redentores e pães de açúcar presentes em dez de dez filmes cariocas. Como filmou na região de Campinas, a história se passa supostamente no Interior de São Paulo com direito a sotaque caipira — um tanto forçado, mas cheio de boas intenções.
O elenco está bem, mas não há como não destacar Gregório Duvivier (repare a cena do personagem dele encantado com os games na sala do deputado vivido por Bruno Mazzeo) e Fábio Porchat, dois bons atores/humoristas. E este ainda tem talento para a escrita. O roteiro, que teve vários colaboradores incluindo o diretor, se fechou com diálogos assinados por Fábio e que dão o toque final ao filme: roteiro bem planejado repleto de afiados diálogos.