A montagem popular explorou temas polêmicos como sexo, traição, violência e escatologia
Trupe atraiu a atenção da população no centro de Campinas (Janaína Maciel/Especial para AAN)
A perversão humana, dosada com bom humor, se fez presente na Praça Rui Barbosa, em Campinas, na tarde do último sábado (16). Um grupo de estudantes da Faculdade de Artes Cênicas da Unicamp apresentou cinco saborosos contos do Decamerão, obra mais conhecida do italiano Giovanni Boccaccio (1313-1375). Em frente à Catedral Metropolitana de Campinas, a montagem popular explorou temas como sexo, traição, violência e escatologia - o objetivo era mesmo chocar e mexer com sentimentos escondidos de quem aproveitava o dia fresco para fazer compras no Centro.
A trupe de sete atores e dois músicos já havia se apresentado na praça no sábado anterior, com aprovação do publico. No último final de semana não foi diferente: ao verem os personagens com fantasias, enchimentos e maquiagem excêntrica, as pessoas foram, aos poucos, se aproximando curiosas. Em pouco tempo, dezenas de adultos e crianças se aglomeraram em volta do grupo. Aproximadamente 150 pessoas assistiram a peça, que durou 50 minutos.
Ambientados na época da peste negra que assolou a Europa no século 13, os contos escolhidos foram os que retratavam as peripécias das camadas mais baixas da sociedade. A aspereza do contexto das histórias foi contrabalanceada pelo humor bufão de Boccaccio. A adaptação tem ainda referências contemporâneas, para não criar barreiras linguísticas entre o público-alvo.
"Minha intenção foi apresentar o outro lado da estética grotesca do Decamerão, aqui na Catedral. É uma forma de testar os limites da sociedade. Até que ponto podemos blasfemar? Quero que o público olhe para esses personagens e tentem expurgar seus próprios pecados" , explicou o diretor da montagem, Igor Amanajás.
O capricho da trupe é percebido não só nas interpretações cheias de cheias de energia, ou no texto bem amarrado, mas na caracterização forte dos personagens. Os enchimentos nas roupas rasgadas remetem à estética voluptuosa do início do Renascimento. A maquiagem amarelada, arrematada com dentaduras de arcadas podres, causam repugnância à primeira vista. "Eles parecem monstros" , disse assustada a pequena Carolyne de Almeida Prado, de 4 anos, que depois de alguns minutos de encenação, brincava e corria atrás dos personagens.
A interação com o público, aliás, é um dos objetivos da montagem. "Para gente é um sopro de ar fresco sair da bolha da Unicamp. Nossa arte não pode ficar restrita a um público iniciado. Nós queremos contato com o mundo real" , afirmou o ator Tiago Tojal, de 20 anos. Os "não iniciados" riram à beça, e aplaudiram com entusiamo o final da apresentação. "Por mim eles vinham para cá todo sábado. Adorei. Fui ao teatro uma vez só. Fico mais à vontade quando a peça é assim, no meio da rua" , disse a aposentada Gláucia Armando, de 65 anos. O morador de rua Jonas Lins Cabrera, que há 25 anos perambula pela Catedral, disse que se identificou com os personagens. "Olha lá bem para eles. Eles se parecem comigo. Eu achei muito bom" , disse.