cronistas imortais

Três novos membros tomam posse na ACL

Três cronistas do cotidiano da cidade e das memórias de Campinas serão os mais novos "imortais" da Academia Campinense de Letras (ACL)

Adriana Menezes
19/11/2019 às 11:01.
Atualizado em 30/03/2022 às 09:51

Três cronistas do cotidiano da cidade e das memórias de Campinas serão os mais novos “imortais” da Academia Campinense de Letras (ACL), que no dia 21 de novembro fará pela primeira vez em sua história de 63 anos uma posse tríplice. Além da celebração conjunta, os acadêmicos Antônio de Pádua Báfero, Gustavo Mazzola e José Roberto Martins têm em comum o espaço onde publicam seus trabalhos, o jornal Correio Popular, que há décadas leva aos seus leitores crônicas sobre os mais diversos temas que entrelaçam ficção e memória, sonhos e realidades, amenidades e polêmicas.  Os “imortalizados” brincam sobre esta nova categoria a que foram alçados. “Eu vou cancelar meu plano de saúde, afinal de contas agora sou imortal, não preciso mais pagar um plano”, diz o jornalista e radialista (arquiteto de formação) José Roberto Martins.  A informalidade, o bom-humor e a paixão pela produção literária ou jornalística são também marcas que os três cronistas têm em comum. “Chego no Café Regina, puxam a cadeira pra mim e fazem brincadeira me chamando de imortal. Mas com toda franqueza, isso não me faz cosquinha. As pessoas brincam comigo, são meus amigos, mas não pega nada não”, afirma Antônio de Pádua Báfero, doutor em Educação pela Universidade de São Paulo (USP) e ex-professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde lecionou por 30 anos. O jornalista e publicitário (advogado de formação) Gustavo Mazzola encara a “imortalidade” com a mesma naturalidade dos colegas, e diz que se sente privilegiado de poder agora adquirir mais conhecimento ao lado de uma elite intelectual que ele respeita e admira. Os cronistas também têm em comum a mesma década de nascimento: os anos 1940. Entre diferenças e semelhanças compartilhadas, os novos acadêmicos revelam que suas esposas são suas primeiras leitoras para quase todas as crônicas que escrevem. É delas que escutam os primeiros comentários, às vezes uma crítica e outras vezes uma observação. No dia da posse, as respectivas famílias vão comemorar juntas o que para os três parecia um sonho distante, mas que se tornou realidade. Os novos acadêmicos José Roberto Martins, Gustavo Mazzola e Antônio de Pádua Báfero ocuparão as cadeiras 4, 14 e 17, respectivamente. A primeira tem como patrono Afrânio Peixoto e está vaga pela ascensão a Acadêmico Emérito de João Ribeiro Júnior; a cadeira 14 tem Bernardo de Souza Campos como patrono e tornou-se vaga com o falecimento do acadêmico Pedro Bondaczuck (jornalista que também trabalhou no Correio Popular); e a cadeira 17, cujo patrono é Afonso de Taunay, vagou devido à ascensão de Rubem Costa a Acadêmico Emérito.  Composta por juristas, cientistas, escritores, jornalistas e literatos de diversas formações, a Academia Campinense de Letras completou 63 anos este ano. Fundada por Francisco Ribeiro Sampaio, ganhou nova sede em 1976 quando o prefeito Lauro Péricles Gonçalves mandou construir um imponente prédio com arquitetura grega. De acordo com a vice-presidente Ana Maria Melo Negrão, a escolha dos literatos para ocupação das cadeiras vagas se dá por votação em cédula de todos os acadêmicos.  Foram nove inscritos para o preenchimento das três cadeiras vagas. Entre os requisitos para aprovação estão: ser residente em Campinas, possuir produção literária significativa e ter o compromisso de participar da Academia não só com a presença, mas também com palestras e produção. “É muito importante esta inserção dos cronistas que publicam em jornais, porque é uma obra muito intensa que muitas vezes se transforma em livros”, diz a vice-presidente.  “Temos um acadêmico com 101 anos, o Rubem Costa, que começou a escrever no jornal Diário do Povo aos 18 anos. Até hoje ele escreve um livro por ano”, conta Ana Maria. “É com muita alegria que estamos recebendo os três eleitos, que vêm enriquecer sobremaneira a Academia. Todos eles preenchem muito bem os critérios estatutários e certamente contribuirão para divulgar a cultura e a nossa literatura. Nosso objetivo é cultivar a literatura de língua portuguesa e valorizar o patrimônio histórico nacional e a produção artística, em especial de Campinas”, conclui a vice-presidente. Veja o perfil dos novos acadêmicos A declarada “imortalidade” dos acadêmicos da Academia Campinense de Letras simboliza a perpetuação do saber e do conhecimento pelas letras, tradição que vem da Academia Brasileira de Letras (ABL), fundada em 1897 por escritores como Machado de Assis, Olavo Bilac, Joaquim Nabuco, Graça Aranha, Ruy Barbosa e outros literatos. A ACL, fundada em 1956, adotou os mesmos moldes da ABL brasileira com 40 cadeiras para membros efetivos e perpétuos. O ingresso na ACL para Gustavo Mazzola, que vai ocupar a cadeira de número 14, representa o resultado de muitos anos de trabalho dentro do jornalismo e na literatura. Autor dos livros Largo São João, Bonde 9 e Centro de Ciências, Letras e Artes – Ano 101 (este com Luiz Carlos Ribeiro Borges), Mazzola encara sua posse na ACL como uma oportunidade de aprendizado e absorção de mais cultura. “Eu não imaginava isso na minha vida. Recebi o convite do presidente da ACL, Jorge Alves de Lima, para me candidatar. O resultado foi uma surpresa.” Mazzola escreve desde os dez anos. Profissionalmente, começou como repórter de rua, aos vinte e poucos anos, no Correio Popular. Na década de 1980, passou a editar o Jornal Motor, e na década seguinte também editou o Jornal do Automóvel do Diário do Povo. Foi também assessor de imprensa da multinacional Bosch, e há cerca de dez anos escreve quinzenalmente na página de Opinião do Correio. Também foi radialista, redator publicitário e chegou a trabalhar como técnico de som, no tempo das 78 rotações. Hoje, aos 74 anos, Mazzola diz que escrever crônicas é sua principal atividade. “Meu trabalho é focado nas memórias, tanto parte da adolescência em Avaré quanto em Campinas. Tenho muitas lembranças do Culto à Ciência e da faculdade de Direito em Campinas”, diz o paulistano. O novo acadêmico tem um gosto especial pelos textos em formato de crônicas. “Não é nem um conto nem um artigo. A crônica fica mais ou menos no meio. Você pode inclusive participar da história. Também não é uma coisa erudita. Pra mim, ela deve ter três finalidades principais: divertir, emocionar e surpreender. Meu trabalho é sempre em cima disso”, descreve. Ele revela que não tem nenhuma rotina para sua produção. “Fico mais preocupado com os conceitos. Às vezes releio e acho que pode gerar outra interpretação, então mostro para a minha mulher, que quando lê muitas vezes descobre coisas que eu não consegui ver. Ela é minha primeira leitora e é bem rigorosa”, diz Mazzola. Ao contrário de Mazzola, o educador Antônio de Pádua Báfero diz que tem “uma disciplina espartana” para produzir seus textos. Ele começa por volta de 7h30 da manhã e só vai parar entre 10h30 e 11h. “Quando estou escrevendo entro em êxtase e não penso em mais nada. Não falo com ninguém, nem com os netos. Meu horário de escrever é sagrado”, diz Pádua. “Depois à tarde eu sento mais uma meia hora só para consertar alguma coisa que escrevi pela manhã.” Ouvindo o colega Mazzola, Pádua comenta que, assim como ele, mexe bastante no texto antes de finalizar. “Eu risco tudo, sofro pra burro, mudo, sou capaz de ficar uma hora na frente de um parágrafo, até acertar, e quando termino dou graças a Deus que já escrevi.” Nascido na zona rural de Socorro, Pádua diz que “as coisas da natureza são grudadas” nele. Autor dos livros Carta para o Soldado 237, O rio que passa no fundo do meu quintal, Lua cheia homens e lobisomens, Tipos populares e o romance Os grilos cantam à noite ainda a ser publicado, ele discorre em suas crônicas também sobre memórias, mas sempre aborda a questão da educação, que tem como sua bandeira. Ex-professor da Unicamp e doutor em psicomotricidade e aprendizagem motora, Pádua acredita que no Brasil pouco se trabalha a inteligência motora. “Trabalham a social e a cognitiva, mas falta a motora.” O professor também tornou-se conhecido em Campinas como secretário municipal de Esportes, no final da década de 1990.  “Não há como esconder a alegria que trago comigo de ter sido eleito membro da Academia. Escrevo desde tenra idade, desde menino, mas eu não tinha a ideia da Academia. Depois que ela apareceu, eu vislumbrei sim a possibilidade de estar nela. A ACL vem pra coroar tudo que venho fazendo. Estou muito feliz”, comemora, aos 78 anos, o novo acadêmico que ocupará a cadeira de número 17. Pádua escreve para o Correio Popular desde 1972, quando ganhou o Troféu Comunicação como melhor contista do ano. O campineiro José Roberto Martins escreve suas crônicas no Correio Popular, todas as sextas-feiras. “Entrego as crônicas às quintas-feiras. Na terça, enquanto minhas netas estão fazendo ballet, eu estou sentado no bar do clube escrevendo. E não mexo em nenhuma palavra depois, muito raramente eu mudo. Para mim, o mais importante é encontrar o tema. Se eu tenho o tema, eu tenho a crônica”, afirma Martins.  O jornalista e arquiteto diz que tornar-se acadêmico nunca fez parte dos seus planos. “Eu jamais na minha vida imaginei este momento. Escrevi a minha vida inteira para jornais, revistas, rádio, TV; não tenho livro editado, mas tenho compilados de trabalhos publicados. Então, chegar a esta altura da vida, já aposentado, cuidando de três netas junto com a minha mulher, de repente surgir um mundo novo: pra mim é um renascer, é começar de novo”, declara Martins, que vai ocupar a cadeira de nº 4 da ACL. Sua primeira crônica publicada no Correio Popular foi na década de 1990, a convite do jornalista Renato Otranto. Martins já trabalhava com textos para rádio e TV há muitos anos.

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