ENTREVISTA

Tony Belloto fala com o Caderno C sobre literatura

O integrante da banda Titãs lançou seu oitavo romance, 'Machu Picchu', na Livraria da Vila, em Campinas

Marita Siqueira
11/07/2013 às 17:41.
Atualizado em 25/04/2022 às 09:00

Seja na canção ou na prosa, a arma de Tony Belloto, integrante da banda Titãs, é a arte. Ora cutuca a ferida aberta, ora assopra; aliás, talvez o ato de cutucar tenha sido mais evidente sobre os palcos do que nas estantes das livrarias. Aos 53 anos, enquanto celebra os 30 anos de Titãs e compõe inéditas para o próximo disco, também exercita seu lado escritor. Tido um dos principais nomes do “gênero roqueiro-escritor” no Brasil, Bellotto lança o oitavo romance, 'Machu Picchu' (Companhia das Letras, 120 págs., R$ 32,00). Após uma série de policiais, com destaque para os três livros protagonizados pelo detetive Bellini — 'Esfinge' (1995), 'Demônios' (1997) e 'Espíritos' (2005) — discute o cotidiano e as crises de uma família de classe média. Antes da sessão de autógrafos na Livraria da Vila, no Galleria Shopping, em Campinas, Belloto conversou com o Caderno C.

Caderno C — Quando você produz, faz uma distinção clara sobre o que deve ser explorado num livro e o que deve ser falado em letra de música?

O trabalho de letra de música é de muita precisão, parecido com o de poesia, e mais complexo ainda por ter que caber numa métrica musical. No caso da prosa, você ganha no ritmo com a quantidade de palavras, você não pode ficar tão meticuloso como na música porque não anda. Na composição, a gente faz parceria, às vezes eu escrevo e mando para o Paulo (Miklos, membro do Titãs), quem musica, como fiz dessa última vez. Outras vezes, ele faz a melodia e me manda. Já a prosa é solitária. Ao mesmo tempo, tem algo semelhante no sentido de trabalhar com palavras.

Você citou uma nova música, podemos esperar um disco de inéditas?

A gente está se dedicando a um disco novo, sim. Devemos gravar no começo do ano que vem. Antes disso, estreamos um show no Sesc Pompeia (em 5 de julho), no qual tocamos 10 músicas inéditas na primeira parte e depois as músicas conhecidas.

Como faziam no início da banda?

Exatamente. Hoje não existe mais isso de tocar músicas desconhecidas. É um risco saber como o público vai reagir, mas a gente vai encarar, pois estamos gostando daquilo que estamos fazendo. É um repertório mais pesado com letras legais.

Esse repertório pesado é próximo do que fizeram em Cabeça Dinossauro (lançado em 1986 e relançado em 2012)?

Tem alguma coisa a ver com o Cabeça... nesse sentido, a mesma pegada, mais incisivo, letras que dizem alguma coisa, porém é outra época.

As letras vão dizer alguma coisa com relações ao momento político, de protestos que estamos vivendo, assim como fizeram com Vossa Excelência ao falar do mensalão?

Não, a situação ainda está muito recente para isso. A gente sempre está ligado ao que rola, mas nunca fomos panfletários, não fizemos a música por fazer ou simplesmente para comentar. Tem que ser algo que inspire a gente a criar alguma coisas que tenha algo especial. Por isso, eu acho que o Cabeça... sobrevive até hoje. Não é uma coisa só da época que foi criado, tem uma maneira especial de falar.

Algumas, infelizmente, ainda estão totalmente contemporâneas.

Pois é. Nós vimos numa manifestação em São Paulo as pessoas cantando Polícia quando os policiais estavam descendo o pau. De certa forma, a gente fica orgulhoso, porém muito triste em pensar que polícia vai ser sempre polícia. A função dela é a repressão, a manutenção da ordem. Então, enquanto tiver polícia, essa música vai fazer sentido.

Você tem acompanhado o cenário atual do rock?

Pouco. As coisa mais legais você vê fora do “mainstream”, vê em internet ou alguém fica sabendo e traz, porque já tem pouca música na televisão e o que tem não é rock. O que está aí de mais contestador e legal é o rap. Acho que hoje em dia está com discurso mais contundente e legal do que o rock, que atualmente fala de relacionamentos. Voltou a ser aquela coisa do rock como expressão do adolescente. Aquilo de comentar mais política, como as bandas da nossa época tem, hoje é o rap que faz.

O fato de não estarem mais no topo da listas de músicas mais tocadas os incomoda?

Não. Você tem mais vantagens em trabalhar de maneira mais independente, quando não se vê obrigado a vender. Quando a gente trabalhava com gravadora, tínhamos que lançar um disco por ano ou no máximo em dois anos. Não dá tempo para desenvolver tão bem. Agora, essas músicas que a gente está fazendo, por exemplo, estamos trabalhando há três anos. Então, a chance de fazer um disco melhor é muito maior. Além disso, não ter mais contrato com gravadora, o que conquistamos depois de 30 anos, tem outras vantagens. Hoje, com a crise do disco, elas querem participar dos lucros de show. Como a gente já tem um nome feito, temos o nosso esquema de show e não faz sentido algum dividir com gravadora.

Liberdade você também tem para escrever o assunto que bem quiser em seus livro?

Para você escrever um livro, ficar horas sentado na frente de um computador, tem que estar muito motivado. Eu não tenho obrigação nenhuma de escrever sobre isso ou aquilo, simplesmente falo do que eu tenho vontade, como o tema da família, das relações afetivas no mundo de hoje.

Após uma série de romances policias, você lança uma história sobre relacionamentos familiares. Como está sendo a receptividade?

Desde o começo dessa minha carreira de escritor, apenas dos dois primeiros (Bellini e as Esfinge, de 1995, e Bellini e o Demônio, de 1997) foram histórias policiais, depois eu alternei com outras temáticas. Então, acho que as pessoas que leem meus livros sabem que eu não autor de um personagem só ou de um gênero só. Machu Picchu é um livro engraçado com olhar irônico sobre a família atual, mas na sua construção tem alguma coisa, talvez um certo suspense, que eu aprendi na literatura policial. Enfim, acho que tudo faz parte de um mesmo universo.

No senso comum, pensar em Tony Bellotto escritor sugere uma referência direta com a literatura policial. Isso não é real?

Eu gosto muito do gênero policial e fico orgulhoso disso, só acho que a literatura é algo maior. As pessoas têm essa tendência de dividir em gênero e muitas acham que policial é um gênero menor, no sentido de ser uma literatura de fórmulas. Isso não é real. O que existe é a literatura boa e a ruim. Assim como eu sou um guitarrista de rock, fico feliz que as pessoas me definam como escritor policial; assim como o rock do Titãs é amplo, às vezes fazemos balada, reggae, funk, é a mesma coisa nos livros. Nem tudo que eu faço tem necessariamente a ver com histórias de crime.

Como foi o processo de pesquisa e elaboração dos personagens?

Eu escrevo de uma maneira bastante intuitiva. Meus livros policiais demandam um pouco mais de pesquisa, mas eu nem gosto de fazer tudo isso. Escrevendo os Bellini eu tive que ir em delegacia, necrotério, lugares que eu acho péssimo, não vejo nenhum barato nisso. A minha viagem mesmo é com a literatura. No caso de Machu Picchu, a pesquisa foi a observação. A primeira parte, eu alterno a narrativa em primeira pessoa de três personagens: o marido, que tem por volta dos 40 anos, a mulher, que está chegando aos 40, e o filho, um adolescente de 17. Foi um exercício muito interessante. Fala como uma mulher, ela descreve as transas com o marido, com o amante. Isso me proporciona uma viagem de imaginação muito boa. Esse é o meu grande prazer na literatura, me levar a lugares distantes e eu poder entrar dentro da cabeça de pessoas que não existem. É o que me motiva a escrever.

Nas entrelinhas existe a intenção de passar alguma mensagem?

Não, de forma alguma. Nem na música que tenho pretensão de fazer isso. Como artista, acho que devo passar meu testemunho, dizer o que eu penso e como observo as coisas.

Você escreveu Machu Picchu pensando numa versão cinematográfica, visto que Bellini ganhou esse foco (Bellini e o Demônio, de 2008)?

Nunca escrevo pensando no cinema. Até acho que alguma coisa da literatura se perde quando vira filme e um dos grandes baratos da literatura é justamente o fato de ser tão diferente do cinema, onde você senta, come uma pipoca e vem tudo pronto. O legal da literatura é que você vai escrevendo o livro junto com o escritor. Ele te dá algumas sugestões, mas você monta, visualiza na sua mente com referências próprias. Quando você lê o Bellini, por exemplo, a maneira como você está vendo aquele personagem é diferente da de outro leitor. Isso é muito bacana.

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