ESTUDO

Tese de mestrado vê poder de mobilização do hip hop

Pesquisador Rogério de Souza Silva, da Unicamp, tem como fio condutor a trajetória de Mano Brown

Marita Siqueira
25/06/2013 às 10:28.
Atualizado em 25/04/2022 às 11:48

O sociólogo Rogério de Souza Silva investigou, em sua dissertação de mestrado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), o poder de mudança do movimento hip hop no Brasil a partir da trajetória social e intelectual do rapper Mano Brown, líder do grupo Racionais MC’s.

O cantor é caracterizado em determinado trecho do estudo como um “sobrevivente do inferno” — termo em alusão ao disco 'Sobrevivendo no Inferno' (1998). O trabalho do pesquisador, intitulado 'A Periferia Pede Passagem: Trajetória Social e Intelectual de Mano Brown' discute como o rap mudou ou deu sentido diferente para a vida de jovens como Brown.

Apesar de suas contradições, o movimento do hip hop possui caráter libertário para diversos adolescentes, considera o pesquisador. “No Brasil, tem um caráter mais social do que cultural. Muitos desses jovens tomam conhecimento de que o crime não é o melhor caminho por meio dessas manifestações (rap, grafitagem e break). A própria entrada de Mano Brown no hip hop é um exemplo. Ele fugiu da criminalidade e tornou-se uma liderança”, diz, citando também outras trajetórias semelhantes, como as de Nelson Triunfo, um dos pioneiros do movimento, e os rappes MV Bill, Thayde e Dexter.

Estes e outros importantes nomes do gênero melhoraram suas condições de vida, porém continuam morando na periferia ou próximos a ela. “Mano Brown saiu da Cohab do Capão Redondo, mas ele mora num condomínio de classe média baixa no Campo Limpo, ali do lado. Rappers como ele fazem críticas às mazelas da periferia, aos problemas sociais, não exaltam a pobreza nem o crime. Só que temos que relevar também que a proximidade deles com a criminalidade é muito maior de alguém de classe média, por tanto, falam do assunto de maneira diferente.”

Por outro lado, segundo Souza, ao mesmo tempo em que estimulam a visão crítica, a questão de consumir bens — carrões, colares de ouro, tênis e boné de grife — está muito presente em suas letras. Aspectos controversos como esse também são analisados pelo sociólogo. Segundo ele, os Racionais falam para os jovens não se envolverem no mundo do crime, porém em alguns momentos eles têm uma visão benevolente dos criminosos. “O interessante, por outro lado, é que eles dão voz para essas pessoas que até então não tinham. Mas esta proximidade é tão forte que, no lugar de dar voz, muitas vezes, eles defendem estes grupos. É uma linha tênue”, constata.

Silva havia trabalhado em sua dissertação de mestrado com um tema próximo. Estudou a literatura marginal, explorando dois autores brasileiros criados na periferia que produziram romances sobre essa realidade, são eles: Paulo Lins ('Cidade de Deus') e Ferréz ('Capão Pecado'). Em 2011, essa pesquisa transformou-se no livro 'Cultura e Violência: Autores, Contribuições e Polêmicas da Literatura Marginal'.

Durante esse processo de elaboração, teve contato mais profundo e reflexivo sobre as periferias, especialmente da Grande São Paulo, onde constatou a figura fortemente presente de Mano Brown. “Ele é até invejado por alguns, mas respeitado por todos”, diz. Por que ele e não o Racionais? “O brilho de Mano Brown é tão grande que ofusca os outros, não que ele sejam talentosos, muito pelo contrário. Ele é um líder”, responde.

A ideia inicial era dividir o foco entre Mano Brown e MV Bill, representante da comunidade carioca, para discutir a trajetória e as particularidades das duas capitais, mas essa abordagem foi descartada. “Depois que MV Bill entrou na 'Globo', ficou inacessível, e a fala dele, na minha modesta opinião, deixou de ser interessante, começou a ficar muito enviesada.

Ele se aproximou de intelectuais do Rio de Janeiro, então construiu uma fala próxima do sociólogo, do antropólogo. Portanto, para nós pesquisadores não é interessante.” O pesquisador visitou diversas periferias pelo País e enfocou o projeto na Grande São Paulo, especialmente em Brasilândia, Capão Redondo (ambas em São Paulo), periferias de Santo André, São Bernardo, Diadema, Osasco, Barueri, Itapevi, Jandira e Carapicuíba.

'A Periferia Pede Passagem' foi conduzido junto ao programa de pós-graduação em Sociologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp. Silva contou com a orientação do docente Rubem Murilo Leão Rêgo e, durante a pesquisa, atuou como monitor bolsista do Programa de Estágio Docente (PED) da universidade.

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