Suspense independente é marcado pela ousadia

Guto Parente é um jovem cineasta cearense que, aos 32 anos, tem nada menos que cinco longas-metragens realizados, quatro deles em codireção com parceiros de um coletivo do estado do Ceará chamado Alumbramento. No 4º Olhar de Cinema – Festival Internacional de Curitiba, que termina quinta-feira (18), ele compete com o ousado 'A Misteriosa Morte de Pérola', suspense independente, de baixíssimo orçamento (como todos os filmes dele) e coproduzido com a França e codirigido com a mulher e produtora Ticiana Augusto Lima. A França entra como parceira. Os equipamentos, por exemplo, são da escola onde eles foram estudar — e há alguns subsídios que podem ser computados, mas o produto é brasileiro. E ele faz um pouco de tudo, pois tem seis funções: diretor, roteirista, ator, editor, e responsável pelo som e fotografia. Ele conta que o estudo de gênero cinematográfico faz parte da pesquisa que realiza como forma de se apropriar dos códigos. Lembra que no cinema brasileiro houve um ciclo de suspense/terror, mas feito de modo irreverente. Guto busca algo que ele chama de antropofágico e que não simplesmente reproduz o modelo. No caso do filme, ele diz que foi muito particular porque, ao rodar na França, se inteirou da cultura do país. E não só. Ticiana conta que a dupla viu muito suspense europeu e americano e não temeu usar clichês de séries como 'Hora do Pesadelo' — que passam pelo humor. Elementos como o cabelo curto da protagonista. “É inevitável lidar com códigos sedimentados, mesmo num filme independente e autoral. Não quis negar os códigos, mas encará-los e tentar trazer novos significados”, diz Guto, lembrando que há pesquisas de linguagem sobre o tema nesta geração de outros cineastas no Brasil, como Juliana Rojas e Marco Dutra. Apesar de atuar em vários de seus longas, Guto diz que não é ator nem quer ser, porém não cabia um ator de fato neste projeto, porque era muito íntimo, pois fizeram tudo no filme. E o personagem dele tem algo de cômico, ridículo e canastrão.Ticiana fala sobre as dificuldades de contracenar com paredes, TV, telefone, portas. Ela tampouco é atriz, mas garante que buscou sentimentos dentro de si. “É mais fácil se sentir sozinho num outro país. Estava só nos dois, éramos estrangeiros; no final das três semanas, na cena do telefone em que ligo para casa, chorei facilmente.” Por não ter diálogos, a trilha foi fundamental, diz Guto. “Ela cria atmosfera para preencher os espaços, trilha original, super estranha, mas o som ambiente também foi sempre importante e, não por acaso, foi o processo mais demorado.” Com tantas tarefas, ele admite que seria impossível manter distanciamento. Por isso, convidou Ricardo Pretti, parceiro de outros trabalhos, que entrou com visão de fora. “Ele foi super rigoroso e a troca foi fundamental. Sem ele e outros amigos que deram sugestões teria sido um desastre.” Ticiana completa dizendo que nas pausas das filmagens, os dois discutiam para tentar buscar o distanciamento. Sobre o lançamento, eles estão estudando a melhor maneira. O tema é atraente, mas o mercado não absorve filmes como este. Assim, há várias frentes. Uma delas é passar o filme em salas que já se interessaram em exibi-lo. Há um distribuidor americano que lançará o longa nos Estados Unidos em DVD. Outra ideia é associar-se a outros cineastas com produtos artesanais para um lançamento conjunto. “Ainda estamos tentando entender qual seria a estratégia”, diz Guto. Quanto custou isso tudo? Não dá para mensurar, seria impossível, afirma Guto. A produtora arrisca um número: em torno de R$ 60 mil.*O JORNALISTA VIAJOU A CONVITE DO FESTIVAL