Simplicidade dá o tom ao filme 'Os Sabores do Palácio'

Há clara inspiração de 'Em Busca do Tempo Perdido' (Marcel Proust) em 'Os Sabores do Palácio' ('Les saveurs du Palais', França, 2012), de Christian Vincent, que estreia nesta sexta-feira (20) no Cine Topázio, em Campinas. Do mesmo modo como o sensível personagem do romance relembra a infância a partir do momento em que, ao tomar um chá, sente o gosto da madeleine (o bolinho preparado por uma tia), o presidente da França (Jean d’Omesson), enfastiado de refeições sofisticadas, quer comer algo com gosto da comida da avó.O desejo é expresso à nova chef do presidente, a interiorana e desconhecida, Hortense Laborie (Catherine Frot). Mesmo sem saber as preferências gastronômicas dele, no primeiro almoço ela prepara fritada de cogumelos (na entrada) e couve recheada com salmão, servida com cenouras ao vapor; como sobremesa, o clássico cake Saint-honoré. “Gostei muito da fritada de cogumelos”, segreda-lhe o presidente quando a recebe no gabinete com uma dúvida: “O que o senhor gostaria de comer?”.Acostumada a preparar comida caseira, ela fica feliz quando ouve a seguinte orientação: “Detesto complicações, pratos super elaborados e arranjos inúteis. Preciso reencontrar os sabores simples; se seus pratos tiverem o gosto da comida da minha avó, ficarei satisfeito”. Este é o mote para a chef e o presidente desenvolverem afeição mútua.Afinal, ambos vêm de ambientes simples — ela até se espantou quando foi convidada para trabalhar no palácio. Abandonou a vida rural, onde estava acostumada a consumir produtos gerados de modo artesanal para encarar a sofisticação da famosa cozinha francesa.A afeição entre ambos gera inveja nos cozinheiros do restaurante central do palácio — até então encarregado das refeições do presidente — o principal conflito da história. E, mesmo proibida de fazer compras, Hortense decide “importar” ingredientes de fornecedores do campo, de modo que o presidente se apaixona pela comida dela a ponto de lhe pedir que se encarregue do cardápio de um banquete familiar. E ela prepara chaudrée charentaise — sopa de peixes e lula. “Ficou igual à que fazíamos em família; o almoço teve sabor de infância”, se derrama o presidente.Assim como em Proust, em que o simples bolinho madeleine abriu um baú de memórias do protagonista, o prato preparado por Hortense aflorou as lembranças mais afetuosas do presidente francês. Neste sentido, o filme está carregado de nostalgias e de lembranças do passado. Porém, ele se constrói no presente.Inspirado na vida de Daniele Mazet-Delpeuch que, por dois anos, foi chef do presidente François Mitterrand (1916-1996) no Palais de l’Élysée, Hortense sofreu preconceito dos homens do restaurante central, aos quais chamava de “machistas”. E, por conta do preconceito, a vida dela sofre revés.Quando começa o filme, Hortense se encontra numa base científica no Arquipélago de Crozet, onde cozinha para os cientistas. Mas está se despedindo, pois irá realizar um sonho que tem a ver justamente com a singeleza do campo e de produtos mais saudáveis. E uma equipe de TV a descobre e, depois de relutar, ela conta sua história com o presidente.A concepção de 'Os Sabores do Palácio' é simples: roteiro, narrativa, direção. Segue o princípio da personagem que está interessada na eficiência da comida, mas também (e principalmente) no sabor. No cinema, como na comida, não basta recuperar lembranças — como as do personagem de Proust. Num tempo de gastronomias padronizadas (e não só a do fast food) encontrar a essência do alimento (físico e espiritual) que consumimos diariamente parece ser um sonho alcançável. Nisto reside o encanto da história.