Ainda hoje chega às mãos dos brasileiros mostrando que sua fórmula original segue atrativa
Luciana Kassab é fã da série de livros e sugeriu a leitura de alguns títulos aos filhos adolescentes (Divulgação)
As gerações que cresceram no Brasil nos anos 1970, 1980 e 1990 foram impactadas por uma série de livros que era fácil de identificar por suas capas características. Títulos no alto, sob um faixa de cor em tonalidades pastéis, uma ilustração abaixo, normalmente referente a crianças e adolescentes. Os títulos da coleção Vaga-Lume eram facilmente encontrados nas bancas, nas bibliotecas das escolas e nas mãos de jovens leitores.
Lançada em 1973, a coleção da Editora Ática era pensada para este leitor em desenvolvimento: histórias de aventura e mistério, narrativas curtas, personagens jovens. Marli Queiroz, hoje aposentada, mas que deu aulas de português e literatura em escolas de Campinas, escolhia para suas turmas livros da série que sabia que os alunos iriam gostar. "Eram enredos muito focados na ação, com uma história ágil. São muito mais atrativos para jovens de 12 anos do que livros clássicos como Machado de Assis", brinca ela, que preferia trabalhar os clássicos com turmas mais velhas. A ex-docente lembra da empolgação dos alunos com as histórias debatidas em sala de aula.
Encontro memorável
Com o sucesso da série Vaga-Lume, que alcançou seu auge nos anos 1980, as escolas passaram a trazer para dentro das salas de aula os autores dos livros, aproximando-os de seus leitores. O ano era 1992, segundo as memórias de Marli, que lecionava português para as turmas da Escola Estadual Celestino de Campos, na Vila Mimosa, quando entrou em contato com o escritor Marçal Aquino e combinou uma vinda dele para conversar com seus alunos. Na época, a sala tinha acabado de ler "A Turma da Rua Quinze", primeiro título do autor para o selo. "Eles nunca imaginaram que teriam contato com um escritor. Para eles foi motivo de orgulho. Não paravam de perguntar sobre o livro", recorda.
Mas algo naquele encontro a marcou: um dos alunos esqueceu seu exemplar em casa. "Ele perguntou para o Marçal se dava tempo de correr para pegar o livro e conseguir um autógrafo. O Marçal respondeu que ele podia ir, pois ficaria esperando ele voltar. O menino voltou suando com o livro na mão e o Marçal autografou e ainda disse 'esse mereceu'". Hoje o autor, que é natural da cidade de Amparo, "guarda livros autografados. Ele chegou a mostrar alguns no Twitter", conta a bibliotecária Suze Elias, chefe do setor da Biblioteca Pública Municipal Professor Ernesto Manoel Zink, que estava presente acompanhando a aventura do garoto da Escola Celestino de Campos, sugerindo que aquele encontro tornou o escritor mais precavido e ainda mais atencioso com seus leitores.
Refúgio nos livros
A instrutora de ioga Luciana Kassab, de 48 anos, é uma leitora apaixonada desde a infância. Esse amor não começou com a série Vaga-Lume, mas ela lembra com carinho do momento em que os títulos cruzaram seu caminho. "Eu me mudei para Campinas e demorei um pouco para me enturmar. Então eu amava ir à biblioteca e pegar esses livros [...]Foi a primeira vez que eu comecei a viajar sem sair do lugar. Essas histórias eram meu refúgio na época". Ela lembra de alguns títulos que a marcaram, como "Xisto e o Pássaro Cósmico" e "Um Cadáver Ouve Rádio".
Empolgada com a possibilidade de apresentar a série para seus três filhos, de 16, 14 e 13 anos, ela começou a comprar os livros em um sebo da cidade. O trio leu alguns dos títulos da série como "O Escaravelho do Diabo" e "A Ilha Perdida". Questionada sobre se eles aprovaram os livros que ela tanto gostava na idade deles, ela confessa: "Eles têm outros estímulos, né?", comentou, rindo, a mãe. Mas ela garante que, apesar das preferências serem outras, eles gostaram das histórias. "Foi um pouco frustrante? Foi (risos). Mas pelo menos eles também gostam de ler".
A Vaga-Lume não parou de publicar livros. Hoje a coleção sai pelo selo Somos Educação, que tem relançado alguns dos clássicos para novas versões, mas também há títulos recentes. O último foi "Os Marcianos", de Luiz Antônio Aguiar, lançado em 2021. A editora já revelou que pretende manter a coleção viva e com livros inéditos.
Série Vaga-Lume em números
- Foram 106 livros lançados, de 1973 a 2021;
- "A Ilha Perdida", de Maria José Dupré, é o título mais vendido com mais de 5 milhões de exemplares;
- 43 escritores assinaram livros da coleção;
- Marcos Rey é o autor com mais títulos na coleção: foram 16 livros;
- "Éramos Seis", também de Maria José Dupré, ganhou cinco adaptações para a TV.
"O Escaravelho do Diabo" (1974), de Lúcia Machado de Almeida
Mistério para nenhum fã de Sherlock Holmes ou Agatha Christie colocar defeito. Após o irmão ser morto, o jovem Alberto começa a investigar uma série de assassinatos cujas vítimas, sempre ruivas, recebem um pacote com um escaravelho.
"Sozinha no Mundo" (1984), Marcos Rey
Marcos é um dos autores mais queridos da coleção e entrega uma história sensível a partir da dura realidade de uma garota que se vê sem ninguém. Após a morte da mãe, Pimpa, de 13 anos, tenta encontrar o "tio" Leonel ao mesmo tempo que foge da assistente social.
"A Ilha Perdida" (1973), de Maria José Dupré
O primeiro livro publicado pela coleção também é um dos mais queridos e lembrados. A história acompanha a aventura de Eduardo e Henrique, dois garotos que durante as férias resolvem explorar uma ilha e descobrem que ela é habitada por um estranho eremita.
"O Mistério do Cinco Estrelas" (1981), de Marcos Rey
Mais uma aventura investigativa de tirar o fôlego. Um homem é assassinado em um hotel cinco estrelas e Léo, o mensageiro do estabelecimento, é a única testemunha - mas o corpo desaparece e ninguém acredita no garoto.
"Açúcar Amargo" (1986), Luiz Puntel
Amadurecimento e luta de classes marcam o livro. Marta é uma adolescente que, após perder o irmão, vê sua vida transformada ao precisar enfrentar a realidade de boia-fria trabalhando na colheita de cana. Ela vai percebendo a importância da luta social para assegurar seus direitos